sábado, 18 de março de 2017

Boas-novas em dias de tensão – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Michel Temer quebrou a rotina para anunciar a boa notícia: foram criados em fevereiro 35.612 empregos com carteira assinada – diferença entre vagas abertas e fechadas no período. Foi o primeiro saldo positivo em 23 meses. Também pela primeira vez a informação foi divulgada numa entrevista presidencial, no Palácio do Planalto. Com essa, o governo colecionou pelo menos três novidades muito bem-vindas. Como resposta à melhora das perspectivas econômicas e ao esforço de ajuste, a Moody’s, uma das principais agências de avaliação de risco, elevou de negativa para estável a perspectiva do crédito soberano do Brasil. Em seguida houve o bem-sucedido leilão de concessão dos aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. Em dias de muita incerteza e de tensão agravada por desdobramentos da Operação Lava Jato, sinais de melhora da economia são especialmente importantes para o avanço na pauta de reformas e de correção de distorções.

As boas-novas foram aproveitadas tanto pelo presidente, em Brasília, quanto pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na reunião do Grupo dos 20 (G-20), na Alemanha. Além daquelas novidades, o ministro pôde mencionar os primeiros indícios de recuperação econômica depois de dois anos de recessão. Segundo ele, algum crescimento, embora muito pequeno, já deve estar em curso neste trimestre. Para o investidor de longo prazo, o ponto mais importante, de toda forma, é a perspectiva de correção dos principais desajustes e de implantação de reformas, como as da Previdência e das normas trabalhistas.

O compromisso do governo parece claro e isso tem sido levado em conta nas análises de risco. Mas cada avanço dependerá de uma trabalhosa mobilização de apoio político. A situação de muitos governos estaduais, quebrados ou quase quebrados e em busca de ajuda federal, pode tornar mais complicada essa tarefa.

Se a base parlamentar fornecer o apoio necessário, o progresso na pauta de ajustes e de reformas facilitará a atração e a mobilização de capitais, abreviando a reativação econômica e a criação de empregos. Na melhor hipótese, o País ainda terá de percorrer um bom caminho para sair do buraco onde afundou nos últimos anos. A criação de empregos com carteira assinada no mês passado, embora muito animadora, foi muito pequena em comparação com os danos acumulados. Foi eliminado 1,15 milhão de postos nos 12 meses terminados em fevereiro, com redução de 2,91% das vagas formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mantido pelo Ministério do Trabalho. No mês passado, o saldo de contratações na indústria de transformação chegou a 3.949, mas o número de postos fechados desde março do ano anterior ficou em 258.208. Sem ser a maior empregadora, a indústria de transformação continua sendo a principal fonte de empregos de qualidade, pelos salários, pelo tipo de atividade e pelos benefícios indiretos.

Alguns fatores limitantes da recuperação econômica permanecem evidentes no balanço do Caged. Em fevereiro foram cortados 23.624 postos do comércio varejista, um reflexo do desemprego ainda muito elevado, da perda de renda familiar e dos efeitos do endividamento dos consumidores. Nada garante um novo saldo positivo no balanço de março do Caged. O consumo continua fraco. A construção civil, importante fonte de empregos para trabalhadores de baixa escolaridade, continua deprimida. Sairá do marasmo, certamente, quando os estímulos a obras de moradia produzirem efeitos e, além disso, quando o programa de infraestrutura deslanchar. Os leilões de aeroportos foram um bom começo, mas o governo terá de apressar outras licitações, como as de rodovias.

A evolução do emprego ainda poderá oscilar e ninguém deverá surpreender-se com isso. Mas a tendência de recuperação poderá firmar-se, em poucos meses, se a inflação continuar em queda, se houver avanço no ajuste fiscal e na pauta de reformas e se, como consequência, aumentar a confiança de consumidores, de empresários nacionais e de investidores estrangeiros. Isso dependerá principalmente do governo, mas o risco de fracasso será considerável, se os políticos da base fizerem a opção pelo jogo da mediocridade.

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