sábado, 18 de março de 2017

Carne estragada – Editorial | Folha de S. Paulo

São aterradoras as suspeitas divulgadas com a deflagração da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, sobre conluios entre frigoríficos e fiscais do governo visando a venda ilegal de alimentos nos país e no exterior.

A se confirmarem as alegações da PF, trata-se de caso em que as implicações da corrupção vão além das esferas moral, política e econômica —está em risco a própria saúde dos consumidores.

Divulgaram-se gravações que sugerem manobras para o aproveitamento de produtos com prazo de validade vencido, adulterados ou mesmo estragados, com a cumplicidade de funcionários do Ministério da Agricultura.

É cedo, decerto, para apontar culpas e avaliar a extensão dos danos. Parece evidente, no entanto, que há indícios de práticas cotidianas e em larga escala de irregularidades. A reação de empresas e autoridades envolvidas reforça a gravidade do episódio.

A Justiça autorizou o cumprimento de 37 mandados de prisão temporária ou preventiva, mais conduções coercitivas e buscas em seis Estados e no Distrito Federal. A operação atingiu dirigentes de dois gigantes do mercado de carnes, os grupos JBS e BRF, e outras 30 empresas do setor.

A Agricultura anunciou o afastamento de 33 servidores —providência demasiado tardia, dado que, segundo a própria pasta, as primeiras denúncias datam de quase sete anos atrás. Os frigoríficos divulgaram que colaboram para o esclarecimento dos fatos.

A política faz parte do enredo em apuração. Fiscais de defesa agropecuária dispõem de considerável poder regional, e as indicações para os cargos de comando são disputadas pelos partidos (o ministério é feudo tradicional da bancada ruralista do Congresso).

De acordo com a PF, que não soube fornecer mais detalhes a respeito, há sinais de que a propina arrecadada ajudou a abastecer os caixas do PMDB e do PP.

Há ainda um estrago econômico pela frente, antecipado pela queda vertiginosa das ações da dupla de frigoríficos na Bolsa de Valores. Estão sob ameaça exportações anuais de US$ 14,5 bilhões em produtos com proteína animal.

O Brasil levou anos para remover a desconfiança de autoridades sanitárias de outros países e disputar o mercado global de carne. Mesmo que não se comprovem problemas mais graves de qualidade dos artigos destinados ao exterior, as suspeitas bastam para comprometer sua aceitação.

O país, afinal, demonstra mais uma vez o subdesenvolvimento de suas instituições, ainda presente no agronegócio tão louvado pela modernização e competitividade.

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