sábado, 18 de março de 2017

Carne misturada - Míriam Leitão

- O Globo

A operação Carne Fraca terá profundo impacto na economia. Os piores casos descritos pela Polícia Federal são de frigoríficos pequenos do Paraná, mas os grandes produtores também são suspeitos de corromperam fiscais. No caso da BRF, para manter aberta uma unidade, a de Mineiros. O Ministério da Agricultura fala em separar o joio do trigo, mas as carnes já se misturaram.

Os casos embrulham o estômago, mas há muito tempo se sabe que era preciso melhorar e ampliar a fiscalização da carne. Ontem, o Ministério da Agricultura começou a agir, afastando funcionário e interditando frigoríficos, mas a população brasileira já está exposta aos riscos e haverá reflexo na exportação. Mercados que foram abertos com dificuldade vão criar barreira fitossanitária. O Brasil é o maior exportador de carne e em duas décadas superou todos os concorrentes.

O mercado interno é o maior cliente da carne brasileira. De tudo o que é produzido anualmente, o Brasil exporta menos de 20% do que produz de carne bovina, 18% de suínos e 30% de frango. O resto é para o mercado interno. E para nós sempre foi destinado o produto de pior qualidade. Desde ontem se sabe em detalhes o que isso significa: carne estragada, ácido usado para maquiar o produto, fiscais recebendo dinheiro de frigoríficos, bactérias no produto que é vendido para o consumidor brasileiro. É estarrecedora a descrição do que havia em alguns pequenos frigoríficos.

A exemplo da Lava-Jato, a apuração começou como um caso local e encontrou conexão nacional através das duas maiores empresas, a BRF e a Seara, do JBS. Um fiscal — afastado por tentar fiscalizar o Peccin, um frigorífico local paranaense — fez a denúncia. A Polícia Federal, ao investigar, pediu ao juiz Marcos Josegrei o monitoramento telefônico. Com a escuta, os investigadores confirmaram que os dois funcionários mais graduados do Ministério da Agricultura para o assunto, o superintendente Daniel Gonçalves Filho e a chefe da fiscalização Maria do Rocio do Nascimento, estavam envolvidos inteiramente no caso. Encontraram irregularidades também em Goiás e Minas, e em grandes frigoríficos que se valiam da prática de manter relações promíscuas com fiscais do Ministério da Agricultura para que seus produtos fossem aprovados.

O gerente de relações institucionais e governamentais da BRF, Roney Nogueira Santos, tinha poderes para escolher e substituir fiscais que iriam atuar na empresa. “Para isso, alcança dinheiro a servidores públicos, remunera diretamente fiscais contratados, presenteia com produtos da empresa e se dispõe a auxiliar em campanha política”, diz o juiz Marcos Josegrei. E junto com ele, e com os mesmos métodos, atuava o diretor da empresa André Luis Baldissera. Na Seara, do grupo JBS, quem fazia esse trabalho de relacionamento com os fiscais era Flávio Cassou. Ontem, o JBS proclamou em nota que não havia diretor sob ação judicial. Isso não melhora a situação.

A BRF é a fusão entre Sadia e Perdigão, forma encontrada para salvar a Sadia, que tinha quebrado com manipulação cambial em 2008. Muito dinheiro público foi transferido para a empresa através dos empréstimos subsidiados para financiar a fusão, tapar o rombo da empresa. O JBS que, entre as suas muitas aquisições financiadas com os empréstimos do BNDES comprou a Seara, foi o frigorífico que recebeu o maior volume de empréstimos e de aporte de capital do banco para ser o grande campeão nacional na segmento de carne. O que a operação Carne Fraca mostrou é a promiscuidade da relação com funcionários públicos para afrouxar a fiscalização.

O JBS investiu pesado em marketing para tentar separar-se dos demais produtores do país dizendo que sua carne era 100% fiscalizada. “Carne confiável tem nome”, dizia a propaganda da empresa. O próprio presidente da JBS, Joesley Batista, em suas entrevistas sempre ressaltou o fato de que a carne do grupo JBS estava submetida à fiscalização federal, mais rigorosa, e que grande parte do produto no Brasil tinha fiscalização estadual, municipal, ou era de abate clandestino. Agora se sabe que a empresa, neste caso da Seara, preferiu comprar os fiscais para que eles fossem “gente boa” durante a fiscalização.

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