terça-feira, 21 de março de 2017

Entre o espetáculo e a técnica | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

A carne é fraca. E o ego também, especialmente o de investigadores que se creem representantes do bem em luta contra o mal.

Ainda é cedo para juízos definitivos, mas, pelo que pude ler até aqui, houve algum exagero da PF na divulgação da Operação Carne Fraca. Lembra um pouco o famoso gráfico do Ministério Público com todas as flechinhas apontando para Lula.

Na sexta-feira, dia em que a PF proclamou com orgulho ter realizado a maior operação de sua história, a sensação que tínhamos é que vínhamos sistematicamente comendo carne podre, às vezes misturada com papelão e sempre disfarçada com produtos químicos cancerígenos. Como ladrões são sempre ladrões, os frigoríficos ainda injetavam água nesses zumbis bovinos para que pagássemos mais para nos envenenar.

Agora que a poeira baixou um pouco, constata-se que o cenário pode ser menos tétrico. Não há muita dúvida de que estamos diante de mais um caso de corrupção estruturada envolvendo frigoríficos e fiscais do Ministério da Agricultura. Talvez haja até vínculo com partidos.

A escala das adulterações, porém, que é a questão central, ainda não está clara. Por ora, a investigação da PF colocou sob suspeita 21 dos 4.837 frigoríficos do país, o que dá menos de 0,5%. O uso de papelão, ao que parece, foi um erro de interpretação de escutas, e os produtos químicos "cancerígenos" são, na verdade, ácido ascórbico, a popular vitamina C, e ácido sórbico, um conservante bastante seguro usado desde os anos 40.

PF e Ministério Público têm feito um grande bem ao país ao investigar esquemas que por muito tempo permaneceram nas sombras, mas precisam tomar cuidado para não colocar o espetáculo à frente da técnica. Se as fraudes forem mesmo numa escala bem menor do que a inicialmente sugerida, então a divulgação estabanada terá causado um enorme prejuízo à imagem da carne brasileira e à própria balança comercial do país.

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