segunda-feira, 20 de março de 2017

Fábulas brasileiras | Dora Kramer

- Veja

O joio será separado do trigo conforme a lei mandar

Há uma brutal e cínica inversão de conceitos nas teses defensivas do mundo político para tentar zerar o jogo das ilegalidades cometidas há anos impunemente. A rainha do baile é a “criminalização da política”, teoria segundo a qual ao ser intolerante com a transgressão o país põe em risco a atividade de suas excelências. Pura fábula, pois ocorre justamente o contrário: as ações deletérias de políticos é que levaram a política a ser vista como caso de polícia. Ademais, a salvação reside exatamente na mudança de procedimentos em decorrência das punições,

Outra tese falaciosa: as investigações vão gerar injustiças, pois misturam honestos e desonestos “no mesmo barco”. Exagero proposital. Denúncias, para que sejam aceitas, necessitam de indícios; processos, de provas. Concluídas as apurações, a cada um será destinado o “barco” correspondente aos crimes cometidos. Ou não. É assim na justiça. Assim mandam as leis.

Governistas e oposicionistas não parecem compreender o que os levou a esta situação quando se unem no Congresso para engendrar maneiras de passar uma borracha no passado, assegurar foro privilegiado a parlamentares investigados, protege-los do escrutínio do eleitor sob a saia da lista fechada de candidatos e ainda fazer com que a sociedade tire do bolso o dinheiro para pagar suas campanhas antes financiadas em boa medida por corruptores confessos.

Uma receita perfeita para alimentar a antipatia da opinião pública e robustecer a pauta das manifestações de rua já devidamente agitadas. No entanto, é isso que se engendra nas conversas iniciadas na semana passada entre os presidentes dos três poderes. Deu-se a essa união de interesses o nome de mobilização em prol da reforma política na hora imprópria e em causa própria). É mais que isso: são tratativas sob a possibilidade de conseguir uma “acomodação” das forças envolvidas, em particular o Ministério Público.

O Congresso “entregaria” a criminalização do caixa-dois em troca de uma visão mais compreensiva por parte do Ministério Público sobre os diferentes tipos de crime envolvidos naquela prática. Um modo de abrir uma brecha para contradizer o entendimento de que, a despeito da existência de gradações entre uns e outros ilícitos, todos ferem a legalidade. 

É uma tentativa. De difícil execução, mas é a única que suas excelências vislumbram no horizonte. A dificuldade reside na convicção de investigadores e julgadores de que a ideia é mesmo criar um ponto zero na crise, a partir do qual haveria um alegado recomeço. Importante integrante do STF rechaça a hipótese e aponta como prova a continuidade dos delitos mesmo após o julgamento do mensalão e das prisões da Lava-jato. “Continuaram fazendo tudo como sempre”, diz.

Se parlamentares conseguirem aprovar a receita da “salvação” pretendida, Rodrigo Janot deverá contestar, cabendo à justiça decidir. “Aí veremos o Supremo que temos”, vaticina uma das figuras mais rigorosas e influentes da Corte.

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