sexta-feira, 31 de março de 2017

Intenso e moderado | Míriam Leitão

- O Globo

O Banco Central inovou ao dizer em que ritmo será a queda dos juros. Disse que a redução terá uma “intensificação moderada”. A economia costuma contorcer as palavras. O que o BC quer dizer é que a queda da Selic pode ser maior do que na última reunião, mas não muito maior. Em outros números: pode ser de 1%, mas não de 1,25%, como estava aparecendo em algumas análises.

De acordo com o Relatório de Inflação (RI), a “extensão do ciclo” está ainda incerta. Ou seja, não se sabe ao certo por quanto tempo os juros cairão, porque isso depende da queda da inflação. Ela tem caído mais do que o previsto, tanto que neste relatório trimestral já se reduziu a projeção do fim do ano para 4%, o que é abaixo da meta. Pelo lado ruim, o crescimento surpreende para pior. O BC diminuiu para 0,5% a previsão de alta do PIB em 2017, como o Ministério da Fazenda já havia feito.

Ontem foi mais um dia de conferir a frieza da economia. O índice de vendas do comércio em janeiro veio com queda de 0,7% sobre dezembro, mais intensa do que o esperado. Na comparação com o mesmo mês do ano passado, a redução foi de 7%. Seis dos outros setores tiveram queda nas vendas. As previsões dos bancos para o primeiro trimestre continuam muito baixas. Com a fraqueza de outros setores, a alta do PIB prevista é de algo em torno de 0,3% e será resultado principalmente da atividade do agronegócio.

Já a inflação, desde setembro, está vindo sempre abaixo do esperado. No acumulado de 12 meses, a expectativa do BC era de uma taxa de 5,42% em fevereiro, mas o número ficou em 4,76%. A principal surpresa aconteceu com os alimentos, que desabaram de 11,56%, em novembro, para 4,33%. Até maio, a projeção é que o IPCA fique em 4,15%, segundo o Relatório.

Com a inflação em queda mais forte, e a atividade ainda mais fraca do que o esperado, alguns economistas começaram a rever para 1,25% a queda da Selic na próxima reunião, dia 12 de abril. O BC disse que haverá “intensificação”, mas que ela será “moderada”. Ou seja, deu a entender que haverá aumento no ritmo de corte, de 0,75 para 1 ponto percentual.

Alguém pode se perguntar porque os jornalistas de economia ficam aqui esquadrinhando os comunicados do BC atrás de palavras significativas e tentando interpretá-las. No combate à inflação, na política de metas, é preciso que o Banco Central tenha capacidade de coordenar as expectativas. Quando ele perde isso, as projeções ficam dispersas e acabam convalidando uma inflação maior. A taxa caiu porque a economia está em recessão, mas também porque o BC é mais influente hoje do que era no passado recente. A vantagem para o país desse jogo de palavras e sinais é ter os preços controlados.

O próximo passo terá que ser o governo propor uma meta abaixo de 4,5%, para que, devagar, o país possa caminhar para níveis de inflação de país maduro. A expectativa de inflação para 2020 caiu de 4,5% para 4,42%, e, de acordo com o RI, isso já reflete essa expectativa dos economistas.

O Banco Central tem dois dilemas pela frente. O país está com dificuldades de voltar a crescer e os sinais de ajuste fiscal são intermitentes. Nas últimas semanas, o governo tomou decisões que foram entendidas como de recuo em pontos da reforma da Previdência. Sem ela, o novo regime fiscal, com o teto de gastos, fica difícil de ser cumprido.

Na avaliação do BC, a economia está com um ritmo de atividade ainda fraco, com alta ociosidade na indústria e no mercado de trabalho, por causa do desemprego. No cenário externo, a alta dos juros americanos não teve tanto impacto no Brasil porque foi compensada pelo aumento dos preços das commodities, que trouxe mais dólares para o país.

Um grande mistério da economia é que apesar da queda da Selic nos últimos meses os juros cobrados pelos bancos das pessoas físicas tiveram aumento, em vez de redução, e o spread também ficou maior, dificultando a melhoria do quadro do crédito no país.

Seja pelo nível de atividade, seja pelo quadro da inflação, ficou claro no relatório que o Banco Central cortará os juros em 1% na próxima reunião, mas não há certeza de que isso será suficiente para estimular a economia. Principalmente com os bancos caminhando no sentido contrário do que deveriam.

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