quarta-feira, 8 de março de 2017

Nova concertação - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

Frieza ou paciência? Temer é desafio para os conselheiros

Empresas privadas e políticos, o elo irrecusável do sistema eleitoral brasileiro, estão ligados pelo financiamento do tipo 1, 2, 3 ao infinito. O Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Federal, e sua atenção, no momento, voltada exclusivamente aos ministros, senadores, deputados. A deformação da Operação Lava-Jato, a maior investigação contra corruptos e corruptores que já houve, no Brasil, ao ser apropriada por praticamente uma só empresa e centenas de protagonistas das campanhas eleitorais. A exportação da corrupção brasileira, que agora fala para o mundo e coloca o Brasil no circuito internacional do conluio que fecha essa ciranda de efeito explosivo.

O governo Michel Temer passou a existir exatamente neste momento da confluência de cenários que se confundem, e corre a gestão em paralelo à transformadora operação. Como sobreviver até o fim do curto mandato de mais dois anos levando adiante a decisão de entregar um resultado objetivo, a aprovação das reformas constitucionais, três já entregues, é o desafio de solução mais do que conhecida.

Temer não arredará um milímetro do seu projeto de governar nessa espécie de semi-parlamenarismo, com deputados e senadores transformados em ministros por indicação dos seus partidos que, assim, em parceria, terão que aprovar o projeto político do Executivo. Como chegar lá se estão todos atingidos irrecuperavelmente pelas denúncias é algo já definido no primeiro dia do governo de transição, que assumiu por impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os ministros serão trocados, à medida em que sua gestão à frente de qualquer programa ficar inviabilizada, mas o governo continuará sendo congressual.

Como todos os presidentes de partido, os líderes, os integrantes de cúpula, foram de alguma maneira os maiores responsáveis pela arrecadação e distribuição dos recursos de financiamento eleitoral, pode-se chegar a um momento em que os ministros serão pertencentes ao baixo clero partidário, ou serão expoentes da sociedade indicados pelos partidos. Soldados rasos partidários que só receberam e não distribuíram, desconhecidos das delações.

Ainda assim o critério será o da representação no Congresso. O governo pode chegar ao fim - e só não chegará se o seu problema for a economia - com um ministério de sujeitos ocultos, mas parlamentares.

Para que se cristalize a frieza que o presidente Temer parece exercitar, na visão de adversários, ou a paciência e obsessão pelo exaustivo diálogo com que aliados qualificam seu temperamento, o clima de harmonia necessário às realizações do governo, começou a ser buscado por um grupo de consultores informais.

O novo toque de união, a concertação, tem o objetivo de levar esse trem até 2018, nos trilhos. Do ponto de vista político, bem entendido, porque nesse mundo onde as conversas agora se desenrolam o êxito na economia está garantido.

Acredita-se que as medidas econômicas, tanto as estruturais aprovadas pelo Congresso, como por exemplo a emenda constitucional do teto de gastos, como as conjunturais, são responsáveis pelos primeiros sinais de recuperação.

Não é só o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, mas vários analistas, já veem um começo de reversão da recessão. Temer mesmo desfiou, em entrevista ao Valor, há uma semana, sua lista de indicadores que confirmam a tese: juros em queda, inflação dirigindo-se ao centro da meta, positivas previsões de PIB no fim do ano, investidores demonstrando confiança, uma recuperação que aponta para o crescimento e o emprego em alguns meses.

Mas não há estabilidade política e não deve haver até o fim do mandato. Ela será minimamente necessária para chegar a 2018 pela ponte, pela pinguela ou pelo mata-burro, como se quiser apelidar o governo de transição.

Novas eleições para escolha de novo presidente, se o atual tiver seu mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral por financiamento irregular da campanha eleitoral, não estão no horizonte. Nas reuniões de concertação trabalha-se tanto com a inviabilidade dessa convocação como com a certeza de que serão tantos recursos que a chapa Dilma-Temer será dissolvida só por decurso do tempo.

Mas o governo continuará a receber críticas até o fim principalmente pela essência do mandato, a gestão em parceria com o Congresso que, nesta transição, passou a dividir ônus e bônus.

A concertação não tem sugestão melhor para Michel Temer sobre o que fazer para enfrentar as críticas. Acham os consultores que os adversários não consideram as circunstâncias em que assumiu e começou a trabalhar o novo governo. E não vislumbram uma alternativa nos discursos da oposição. Dispensar o apoio político do Parlamento está fora de cogitação, o governo Temer é isso. Deputados e Senadores, com Lava-Jato ou sem, têm mandato popular e por isso estão onde estão. As discussões não negam a baixa qualificação profissional, moral e ética da política, mas a realidade é esta e a ela os governos não podem fechar os olhos.

Todos os governos, inclusive o anterior, foram buscar parceria no Parlamento. Sem medir riscos.

Para chegar a 2018 com respiração ritmada, o governo precisa de ajuda, e é a isso que a concertação, que reune políticos, empresários, sociedade, se propõe. Inclusive para liderar a transição política, mantendo a agenda de votações, agora sob a negociação e liderança do próprio presidente.

O contrário disso, já se ouviu em mais de uma reunião da concertação, será abrir-se para o risco de um "Trump caboclo".
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Morar no Palácio da Alvorada não é escolha, como não é escolha do presidente norte-americano morar na Casa Branca ou do francês no Elisèe. Não tem o presidente da República do Brasil que gostar ou não gostar do palácio ao ponto de isso ser determinante na decisão. 

O Alvorada não é aconchegante como uma casa de jardim e quintal. Mas quem disse que o presidente da República deve continuar a viver em um lugar assim enquanto estiver no exercício do cargo? O ex-presidente João Figueiredo preferiu morar na Granja do Torto, porque há um bom estábulo. 

O ex-presidente Fernando Collor preferiu ficar na sua própria casa, onde construiu cascatas e jardins que apareceram aos primeiros acordes da CPI que o defenestrou do cargo. Exemplos recentes e mal sucedidos a provar que moradia de presidente é o palácio oficial.

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