quarta-feira, 22 de março de 2017

O Brasil na carne | Míriam Leitão

- Globo

Nos últimos 20 anos, a produção brasileira no complexo carne aumentou 122%. E o avanço no exterior fez com que o Brasil superasse em venda exportadores tradicionais. Mas os dados mostram que, curiosamente, o auge do Brasil na carne bovina não tem a ver com o enorme aporte de dinheiro público dos últimos dois governos. Hoje, o mercado mundial também depende do Brasil.

Os grandes frigoríficos sabem que estão expostos a todo tipo de cobrança internacional, porque durante duas décadas o Brasil pisou nos calos dos concorrentes: Nova Zelândia, Austrália, EUA. Exportava, em 1997, 862 mil toneladas de bovinos, suínos e frangos, e agora vende sete milhões de toneladas para o exterior. Na carne bovina, era o quarto maior exportador há 20 anos, chegou ao primeiro lugar em 2002. Hoje é o segundo, porque a Índia exporta mais. Tinha 4% do mercado mundial em 1997 e subiu a 28,7% em 2007. Hoje tem 20%. Quando aumentaram as apostas do BNDES no apoio ao setor, as vendas, coincidentemente, caíram e agora começam a se recuperar.

O governo e os frigoríficos decidiram bater no mensageiro: a Polícia Federal. A divulgação pelos policiais de tantas informações não permitiu, num primeiro momento, que todos entendessem qual era a acusação contra cada frigorífico. Mas não se pode perder de vista o essencial: os claros indícios de que grandes empresas davam presentes e dinheiro a funcionários públicos. O trigo é que se misturou ao joio.

O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadores de Carne (Abiec), Antônio Jorge Camardelli, estima que os prejuízos para os exportadores podem passar de US$ 200 milhões por mês, caso ocorra embargo total à carne brasileira pelos cinco países que já anunciaram algum tipo de restrição: China, Chile, Egito, Hong Kong e Argélia:

— O governo está tendo uma postura bastante integrada na resposta à crise. Agora é preciso conversar tecnicamente com os países, fazer road show e reconquistar a confiança. É importante que essa resposta seja técnica, e não política.

Para entrar em outros mercados, o setor teve que seguir critérios de qualidade internacionais. Por que agora fez o que fez? A Seara conseguia certificado para exportação mesmo sem a fiscalização e tinha um funcionário que era fiscal. A BRF tinha uma unidade com salmonela e evitou que fosse fechada, e os sinais de que havia troca de favores sob pagamento em dinheiro e produto são fartos.

Será que essas duas empresas não tinham noção do risco de dano à imagem de conviver com essa zona de sombra? E não sabiam que qualquer erro teria uma enorme repercussão e muitas consequências? Nas defesas que têm feito dos seus produtos, ainda não explicaram os casos apontados pela PF.

O governo, ao reagir, acertou em grande parte. Exonerou funcionários, anunciou aumento da fiscalização nos frigoríficos citados, suspendeu preventivamente a exportação das plantas suspeitas, prestou esclarecimentos aos países importadores e se colocou à disposição para mais informações. O que roubou indevidamente a cena foi o churrasco do domingo à noite. O fato acabou dando um ar circense ao que havia sido tratado com seriedade.

As autoridades devem continuar nessa linha de prestar esclarecimentos internos e externos, em vez de tentar crucificar os investigadores. Eles encontraram atos de corrupção nas absolutamente impróprias relações entre funcionários da fiscalização e empresas fiscalizadas. Adianta pouco dizer que o problema está localizado em 33 servidores. Deve-se dobrar o rigor em outras unidades da federação. 

Há casos semelhantes em outros estados? Não se sabe. Afinal, o Paraná é onde tudo acontece ou o Paraná está apurando irregularidades? Agora é a hora de o ministro Blairo Maggi fazer uma minuciosa análise de todo o sistema para ver se há mais casos de relações promíscuas entre fiscais e fiscalizados. Como ministro, vem defendendo o setor que tem tanta importância no consumo interno eé o terceiro item da balança comercial, com US$ 12,6 bilhões. A melhor defesa é prestar toda a informação aos parceiros comerciais, que, a esta altura, precisam, sim, da proteína animal brasileira e, se o país for eficiente, vão suspender as barreiras.

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