terça-feira, 21 de março de 2017

Reforma política inverte prioridade, diz Nicolau

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - Defensor de alterações incrementais na legislação eleitoral, o cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a nova onda em prol de uma ampla reforma política é "temerária". O debate ganhou força na esteira do aprofundamento da Operação Lava-Jato e da proibição de doações de campanha por empresas, mas recebe críticas do especialista. Nicolau reconhece que a reforma política pode ser usada para anistiar o caixa dois - livrando investigados da prisão - ou aumentar a chance de sobrevivência eleitoral de políticos com a imagem desgastada - com a criação da lista fechada - mas destaca como erro de origem o foco no financiamento a nortear as mudanças. "A discussão sobre o sistema eleitoral tem que vir primeiro e separada do financiamento. São questões totalmente diferentes", diz.

Para Nicolau, primeiro seria necessário que se encontrasse o sistema representativo mais adequado - que reduzisse o número de partidos e aproximasse o eleitor de seu representante. "Depois vamos atrás da melhor forma de financiamento, que não é essa", afirma.

O cientista político lembra que a reforma política vem sendo debatida desde 1994 pelo menos e que não obteve consenso mesmo em situações mais favoráveis. "Para colocar qualquer coisa no lugar do atual sistema se exige reflexão mais profunda. Não vai ser agora o melhor momento, num ambiente desse, em que o Congresso perdeu tanta legitimidade e abriga um monte de investigados. Melhor que seja feita na próxima legislatura, que provavelmente terá muita renovação", defende.

Nicolau, que já participou de audiências sobre o tema no Congresso, afirma que desta vez tem percebido os deputados sem orientação, sem uma ideia-força que galvanize o debate, como já foi a lista fechada, em 2007, e o distritão, em 2015. As iniciativas são lideradas por gente de fora, como o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o presidente da República Michel Temer. "A ideia-força é apenas como financiar o sistema depois que ele desabou", aponta.

A lista fechada - em que o eleitor vota apenas em partidos - surge então como uma consequência natural já que a proposta de criação de um superfundo estatal não seria compatível com o financiamento de campanhas de candidatos individuais. O esforço central dos políticos, diz, é aumentar o volume de recursos para os gastos de campanha.

Em 2015, o fundo partidário foi triplicado para o atual patamar de R$ 800 milhões, mas ainda está muito aquém da montanha de dinheiro que costumava-se arrecadar com as doações de empresas - muitas das quais empreiteiras encalacradas na Operação Lava-Jato. As campanhas eleitorais em 2014 custaram cerca de R$ 5 bilhões e, por isso, há preocupação da classe política em se cobrir a diferença entre esse valor e o atual fundo partidário, por meio da criação de um superfundo eleitoral. Entre as propostas, algo em torno de R$ 4 bilhões.

Nicolau critica a simples dotação orçamentária de grandes somas de dinheiro dos cofres da União para os partidos. Isso, destaca, não cria incentivos para a doação mais pulverizada dos eleitores, como acontece na Alemanha e no Canadá. Nestes países, há incentivos fiscais, com dedução do imposto de renda, ou "doação casada" na qual o cidadão oferta determinada quantia ao partido e o Estado contribui com o mesmo valor. Em ambos os casos, os partidos precisam se mexer e ir atrás do apoio na sociedade, em vez de se acomodarem com o dinheiro público garantido. "Por que, depois de 70 anos da atual legislação, e a quatro meses de se expirar o prazo para alterações válidas à próxima eleição, vão mudar o sistema? Para viabilizar o financiamento? Aí tudo fica em função disso, desse velho problema", diz.

Nicolau pondera, no entanto, que a lista fechada encontra seus maiores adversários na opinião pública e nos parlamentares que não são da elite partidária e não teriam controle sobre o ordenamento dos nomes da lista. "Os grandes inimigos são os deputados do baixo clero, que morrem de medo de ficar fora das melhores posições da lista", diz.

Em 2007, a lista fechada obteve 182 votos a favor e 251 contra a sua adoção. Em 2015, perdeu muito fôlego e foi derrotada por 402 votos a 21. "Foi um massacre. E estamos na mesma legislatura, são os mesmos deputados. Será um desafio danado aprová-la", lembra Nicolau.

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