quarta-feira, 8 de março de 2017

STF decide que caixa 1 não legaliza propina

Senador do PMDB vira réu, mesmo com doação oficial

Segunda Turma do Supremo indica que registro de verba de campanha é insuficiente para provar que origem de dinheiro é lícita

Ao decidir tornar réu o senador Valdir Raupp, a Segunda Turma do Supremo indicou ontem qual deverá ser a posição do tribunal nos casos em que a doação pelo caixa 1 for usada como “álibi” para ocultar crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Raupp recebeu da Queiroz Galvão R$ 500 mil em 2010. Há suspeita de que o dinheiro foi desviado da Petrobras. A doação formal teria sido usada para dar aparência lícita a recursos ilegais. Parlamentares temem que a decisão criminalize contribuições oficiais.

Caixa 1 não é álibi

STF torna Raupp réu por suposto recebimento de propina como doação legal de campanha

André de Souza e Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA- A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os processos da Lava-Jato, decidiu ontem que um candidato pode ser processado por receber propina disfarçada de doação de campanha declarada à Justiça Eleitoral. No caso específico, foi aberta ação penal contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que recebeu doação da Queiroz Galvão de R$ 500 mil em 2010. Há suspeita de que o dinheiro foi desviado de contratos da empresa com a Petrobras. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Raupp pediu o dinheiro em forma de doação apenas para dar aparência lícita a recursos obtidos de forma ilegal. A decisão provocou reação entre parlamentares e gerou a expectativa de que repercutirá em futuras decisões judiciais sobre ilegalidades em campanhas eleitorais.

Raupp foi transformado em réu e será investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No julgamento, os ministros abriram caminho para investigar a origem de doações eleitorais. Há suspeita de recebimento de propina disfarçada de contribuição de campanha em vários outros inquéritos da Lava-Jato. Assim, isso não deve ser impedimento para que as outras investigações também avancem no STF. 

ORIGEM CRIMINOSA DO DINHEIRO 
No caso de Raupp, não houve condenação ainda. O STF entendeu apenas que há indícios suficientes para dar continuidade às investigações. Também viraram réus Maria Cleia Santos de Oliveira, assessora de Raupp, e Pedro Roberto Rocha, cunhado e assessor do senador. Eles teriam ajudado no recebimento da suposta propina. O voto mais contundente foi o do ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante do tribunal.

— A prestação de contas pode constituir meio instrumental do crime de lavagem de dinheiro se os recursos financeiros doados, mesmo oficialmente, a candidatos e partidos, tiverem origem criminosa resultante da prática de outro ilícito penal, como crimes contra a administração pública. Configurado esse contexto, que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas. Os agentes da conduta criminosa objetivaram, por intermédio da Justiça Eleitoral, conferir aparência de legitimidade a doações manchadas em sua origem pela nota da delituosidade — disse o decano.

O relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, ressaltou que, neste momento das investigações, não é necessário comprovar a veracidade das informações. É preciso apenas que haja indícios suficientes para prosseguir com as investigações. O ministro lembrou que, ao longo da ação penal, o parlamentar terá chance de se defender das acusações. O voto de Fachin foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

— Os indícios assentam que o recebimento dos valores espúrios teria sido feito de forma dissimulada, por intermédio de doações eleitorais de R$ 200 mil e R$ 300 mil, repassadas pelo partido ao parlamentar — afirmou Fachin.

Os outros dois integrantes da Segunda Turma — Dias Toffoli e Gilmar Mendes — votaram para receber a denúncia em relação ao crime de corrupção passiva, mas consideraram improcedente a acusação do delito de lavagem.

— A doação eleitoral no tocante ao senador teria sido tão somente um meio utilizado para o pagamento da vantagem indevida solicitada — declarou Toffoli, corroborando a possível ilicitude da contribuição de campanha.

O ministro Gilmar Mendes lançou dúvidas sobre a criminalização de doações eleitorais oficiais, mas foi a favor de receber a denúncia no caso do crime de corrupção passiva atribuído a Raupp. Ele também apontou várias falhas na denúncia, em especial no tocante aos assessores do parlamentar. Entre outros adjetivos, ele chamou a acusação contra os dois de vaga e especulativa.

— Um candidato é apoiado por empresas que de alguma forma concordavam com sua linha de atuação política. Em que medida estaria aí a justificativa da criminalização? Tem de haver um liame, um nexo de causalidade. Um candidato que defenda porventura a transposição das águas do São Francisco. Se as empresas decidissem fazer doações, onde estaria aqui o crime de corrupção passiva? Aqui é um ponto importante para reflexão e certamente vamos ter oportunidade de nos debruçar sobre isso em outros momentos — disse Gilmar.

De acordo com a PGR, os R$ 500 mil foram repassados ao diretório estadual do PMDB de Rondônia em duas datas diferentes: 27 de agosto e 1º de setembro de 2010. O pagamento está registrado na agenda de Paulo Roberto Costa. Outro ponto destacado na denúncia é que Othon Zanoide de Moraes Filho, representante da Queiroz Galvão, mandou e-mail ao doleiro Alberto Youssef pedindo um recibo da doação feita ao partido, em vez de solicitar o documento diretamente. Na avaliação da PGR, isso não deixa dúvida de que Youssef teve participação no caso.

Raupp divulgou nota dizendo que respeita a decisão. “No entanto, continuo a acreditar que contribuição oficial de campanha devidamente declarada não pode ser considerada como indício e/ou prova de ilicitude. Esclareço também que as contribuições da campanha de 2010, que são objeto da causa, foram feitas diretamente ao Diretório Regional do PMDB do estado de Rondônia, tendo sido as contas aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RO). Durante a instrução do processo, a defesa terá oportunidade de provar suas teses que, certamente, levarão à conclusão da legalidade das contribuições”, disse.

Além desse inquérito, Raupp é investigado em outros três da Lava-Jato.

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