domingo, 16 de abril de 2017

Brasilianistas: crise pode modernizar a política

Especialista defende Concertación nos moldes do Chile

Henrique Gomes Batista | O Globo

WASHINGTON - A crise política brasileira ainda vai piorar antes de começar a melhorar, sentenciam estrangeiros que estudam a situação brasileira. Segundo esses brasilianistas, a imprevisibilidade está crescendo e, embora as eleições sejam vistas como um grande ponto de mudança, ainda estão distantes e podem não resolver definitivamente o problema do país. Os especialistas acreditam que o Brasil precisa de projetos e novas lideranças para virar a página. A solução, indicam, será complexa e lenta.

A boa notícia, segundo eles, é que a crise abre a real oportunidade para mudanças profundas em uma área da sociedade que não acompanhou a modernização que o Brasil viveu nas últimas décadas.

Para Melvyn Levitsky, professor de Política Internacional da Ford School of Public Policy da Universidade de Michigan, que foi embaixador dos EUA no Brasil de 1994 a 1998, a atual geração de juízes e procuradores está expondo a corrupção endêmica do Brasil, e isso é positivo. Ele afirma que todos os países têm corrupção, mas o nível no Brasil é “realmente impressionante”.

— Sou otimista no longo prazo. Apesar da turbulência agora, o Brasil tem a real oportunidade de fazer uma reforma, de ter uma sociedade mais participativa e transparente - disse ele, que defende a redução no número de partidos, mudanças nas eleições proporcionais e a adoção de um sistema distrital misto para a eleição dos deputados.

Para James Green, professor da Universidade de Brown (Rhode Island, EUA) - onde dirige a Brown’s Brazil Initiative e ex-presidente da Associação de Estudos Brasileiros (Brasa), a melhor solução para o país seria uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política, embora ele não acredite que esta proposta vá prevalecer. Assim, a crise - que se combina com um cenário econômico perverso - deve piorar, com a falta de diálogo político.

— Há uma grande possibilidade de esta crise incentivar outsiders, como João Dória ou Jair Bolsonaro, que podem repetir governos como o de (Fernando) Collor ou Jânio (Quadros). Mesmo a eleição do (ex-presidente) Lula pode ser complicada, repetir o clima que foi o do segundo período de Getúlio Vargas - afirmou.

A falta de liderança assusta Peter Hakim, presidente emérito do think tank Inter-American Dialogue. Ele afirma que nenhum líder está surgindo no momento e que sente a falta de personalidades como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães ou mesmo Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva antes de se tornarem presidentes da República.

— Na instituição, sempre busquei três coisas para aprovar um projeto: uma boa ideia, bons nomes e recursos. O problema hoje é que o Brasil não tem nenhum destes três elementos. Falta ao Brasil uma concertación - disse ele, em referência ao movimento pluripartidário que se opôs ao regime do ditador Augusto Pinochet no Chile.

Hakim acredita que as eleições podem funcionar como um novo pacto e abrir caminho para mudanças, mas teme o período até lá, lembrando que a comunidade internacional perdeu grande parte da esperança na capacidade de Michel Temer de conduzir o país, apesar de alguma melhora econômica. Para ele, o fato de oito ministros estarem sob suspeita pode paralisar o governo.

Os juízes e procuradores, sobretudo os que estão ligados à investigação da Lava-Jato, podem até ter sucesso nas urnas se se aventurarem na política, mas terão desafios, na avaliação de Erick Langer, professor de história e do Centro de Estudos Latino-Americanos da Georgetown University, em Washington.

—Este grupo pode ter um problema prático: já vimos isso em diversos locais, quando alguém é eleito apenas com a bandeira da ética, sem um plano de governo, sem uma visão de país. Foi o que ocorreu na Argentina com (Fernando) de La Rúa (que renunciou em 2001 após dois anos de governo) - explica Langer, que vê como solução para o país, neste momento, o surgimento de novas lideranças e um amplo debate sobre uma reforma política aprofundada.

Peter Schechter, diretor do centro de estudos Atlantic Council, acredita que é muito difícil indicar caminhos claros para o Brasil.

—Podemos ver a situação piorar, quando as denúncias contra os políticos começarem a ser aceitas pela Justiça. Temo novas manifestações públicas e isso seria um cenário propício para a violência. Estamos diante de um cenário político apocalíptico no Brasil - afirmou o americano.

Apesar dos problemas, os brasilianistas acreditam que o funcionamento do Judiciário é um ativo para o país, no longo prazo, e que a democracia brasileira poderá sair fortalecida se aproveitar a crise para fazer as escolhas certas e ter um projeto de nação.

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