segunda-feira, 17 de abril de 2017

Depoimentos aumentam cisão no PT

- Valor Econômico

SÃO PAULO - A megadelação da Odebrecht aprofundou a divisão que já existia no PT desde o primeiro ano do governo Lula, quando o ex-presidente adotou agenda que, para a esquerda, era excessivamente liberal. Naquele momento, intelectuais e alguns petistas históricos se afastaram do partido. Agora, as revelações de que o líder máximo da legenda e alguns de seus familiares teriam sido supostamente beneficiários de propina reforçam a cisão e a sensação de desencanto entre fundadores e apoiadores da sigla. Para alguns, o PT tem que ser refundado; para outros, vive seus últimos dias de agonia. "O PT, na fundação, era a mais moderna esquerda. Mas não teve perícia para ser governo e se manter íntegro no Estado", disse ao Valor o ex-deputado federal Paulo Delgado.

Sobe o tom da crítica de petistas históricos ao partido
A megadelação da Odebrecht aprofundou a divisão que já existia no Partido dos Trabalhadores (PT) desde o primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, diante de sua agenda liberal e da aliança que o ex-presidente fez com o meio empresarial para garantir sua eleição e a governabilidade. Naquele momento, muitos petistas históricos se afastaram do partido. Agora, a avalanche de suspeitas sobre a figura de seu líder máximo reforça a cisão e a sensação de desencanto entre fundadores e apoiadores da legenda. Para alguns, o PT tem que ser refundado. Para outros, vive seus últimos dias de agonia.

Um dos críticos mais contundentes é o sociólogo mineiro Paulo Delgado, membro da primeira Executiva Nacional do PT, que se elegeu seis vezes deputado federal, mas que se desfiliou no início da crise do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. "A relação de Lula com Emílio Odebrecht é de bajulador", alfineta. "A corrupção do Brasil é uma corrupção de bajuladores."

Delgado censura tanto a atuação do PT como a de Lula. "O PT, na fundação, era a mais moderna esquerda. Mas não teve perícia para ser governo e se manter íntegro no Estado." Lula, avalia, "passou a governar demais e trouxe para a esfera do Estado todo tipo de interesses. E aí entrou a corrupção também".

O erro da legenda, segue Delgado, que hoje preside o conselho de economia, sociologia e política da Fecomércio, foi ter promovido a "hiperestatização". O PT hoje está "entre dois precipícios: o Estado gigante de um lado e a sociedade que olha desconfiada para o partido, do outro".

O ex-petista não poupa farpas para o ex-presidente Lula. "Ele demanda uma atenção exagerada para si, um comportamento típico de líderes tradicionais da esquerda, como Stálin e Mao Tsé-Tung. Líderes que fracassaram", continua. "Lula é lulista, não é petista. Mas o PT é maior que Lula."

O remédio, no seu entendimento, está em duas frentes. O ex-presidente Lula deveria parar de fazer campanha e se calar. "Lula deve ao Brasil um período de silêncio, para que a sociedade possa refletir sobre o que aconteceu. Falar é querer que a sociedade brasileira se refugie no conforto da polarização política." O PT, por seu turno, deveria afastar todos os dirigentes envolvidos.

Outro quadro histórico do PT, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul e três vezes ministro de Lula, também tem suas críticas, mas reflete de outra forma sobre a dinâmica do partido diante da crise política sem precedentes, que atinge todas as legendas. "Sinceramente, espero que aproveitemos a oportunidade para nos renovar, mas não sei se isso será possível, na situação de instabilidade política que o país está vivendo no pós-golpe", respondeu por e-mail.

Genro administra seu desalento de outra forma. "Sou suficientemente maduro para saber que boa parte das denúncias que são feitas têm apenas a finalidade política de desgastar um partido e um projeto, que se caracterizou por fazer mudanças em defesa dos direitos dos pobres e dos trabalhadores", diz.

Analisa os erros do PT com abordagem ampla, do sistema político brasileiro. "Sei que erros e ilegalidades cometidos pelo PT são praticamente naturais em todos os grandes partidos do país e não são incomuns em nenhuma das instituições do Estado brasileiro. Devem ser combatidos por todos os meios legais, para melhorar a moralidade republicana da nação."

Genro defende a tese da refundação do PT desde 2005, quando estourou o escândalo do mensalão. Ali dizia que a legenda puniria cada um dos envolvidos em denúncias de corrupção e caixa 2 para financiamento de campanhas. Agora, quando a crise sobe para outro patamar, e a rubrica "vantagens indevidas" dá outra musculatura à investigação, Genro contextualiza a refundação do PT a uma crise da esquerda.

"A 'refundação' de um partido de esquerda, de caráter democrático, baseado nas ideias do socialismo democrático, é uma exigência da falência das experiências, tanto do socialismo real, como da social-democracia. E ela não tem relação com o moralismo de ocasião adotado pela direita liberal e neoliberal", diz o político gaúcho.

Genro é mais pragmático ao responder se acredita que o ex-presidente Lula tem condições de ser candidato em 2018. "Se Lula não puder ser candidato, as eleições presidenciais de 2018 carecerão de legitimidade."

O ex-deputado federal Vladimir Palmeira, outro petista histórico mas que deixou a legenda há mais de cinco anos, diz que "vantagens indevidas" fazem parte do perfil da política brasileira. "Mas sempre achei que Lula, Dilma e Fernando Henrique estavam acima disso. É uma situação constrangedora. Mas está claro que os Odebrecht querem prejudicar Lula", defende.

Palmeira saiu da legenda que ajudou a fundar quando o sindicalista Delúbio Soares, tesoureiro do PT, preso e condenado por corrupção, foi reabsorvido pelo partido em 2011, depois de ter sido expulso. "Ali a punição foi branda", lamenta. "Achei um absurdo o cara ser expulso por corrupção e depois voltar cinco anos depois."

Agora, contudo, o espanto de Palmeira é maior. "Não se imaginava que na Petrobras tivesse uma coisa daquele nível. A Lava-Jato tem este mérito, mostrou uma corrupção sistemática no sistema político brasileiro, que envolveu a todos", registra, para constatar, em seguida, que o PT não faz autocrítica. "Nada, zero, nenhuma reflexão. Ali Lula é inocente, Dilma, também. O PT devia apoiar a Lava-Jato e defender que se investigue a fundo. Ver que é algo positivo para curar suas chagas."

Na visão do militante histórico da esquerda, é inevitável que o PT emagreça. Sobre a crise que a megadelação abriu na conjuntura política brasileira, Palmeira confessa preocupação. "Não vejo nenhuma saída. Não é um mau governo só, é uma crise onde ninguém manda, uma crise de hegemonia. Não tem proposta, não tem nada. Temer [o presidente Michel Temer] é ilegítimo, e de certo ponto de vista, Dilma também foi, ao defender um programa e executar o do adversário. Mas tirar Dilma e colocar Temer é uma piada. O tribunal devia cassar logo e convocar eleição", defende. "Deveriam encontrar uma maneira, ter bom senso, e chamar uma eleição direta", diz Palmeira, hoje filiado ao PSB e professor de economia nas Faculdades Integradas Hélio Alonso.

"Quando comecei a ver as denúncias de que algumas pessoas no PT tinham cometido atos ilícitos, sempre respondi, a quem me perguntasse se eu continuava no PT, que continuo por atenção aos mais de 1,5 milhão de filiados. E que se alguns cometem erros gravíssimos, constitui meu dever prevenir e corrigi-los", diz Eduardo Suplicy, outro quadro histórico do PT, três vezes senador e atual vereador que bateu recorde de votação na capital paulista em 2016. "O PT está fazendo sim uma reflexão, vendo o quão grave foi o procedimento de pessoas que agiram de maneira a prejudicar o bom nome do Partido dos Trabalhadores. E é importantíssimo que se assegure o direito pleno de defesa previsto na Constituição a quem vem sendo objeto de denúncia da Lava-Jato."

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