domingo, 16 de abril de 2017

É possível – Editorial | Folha de S. Paulo

A afirmação de que se deve aumentar a eficiência do gasto público não raro soa como mero truísmo, expediente retórico sem maior significado prático; ou, a depender do ponto de vista, como um desafio intransponível.

Nem uma coisa, nem outra. A melhor maneira de demonstrar que se trata de objetivo concreto e tarefa viável provavelmente seja reconhecer que o país coleciona avanços nesse campo, insuficientes mas não irrelevantes, nos últimos anos e décadas.

Fala-se aqui de oferecer à população melhores bens e serviços, com menos recursos drenados por desperdício, negligência, falta de planejamento ou corrupção.

Um dos progressos mais simples e notáveis, sem dúvida, deu-se com a transparência dos balanços orçamentários nas três esferas de governo, crescente desde a restauração da democracia e multiplicada com o advento da internet.

O acesso cada vez mais livre e amplo aos dados facilita a detecção de despesas abusivas e decisões imprudentes. Permite ainda que se compare o desempenho das diferentes administrações.

Num exemplo, o ranking de eficiência dos municípios lançado por esta Folha mostrou que uns aproveitam melhor que outros as verbas destinadas à área social.

Com resultados variados, novas estratégias de gestão de serviços públicos têm sido experimentadas. Na saúde, a contratação de organizações sociais propicia maior flexibilidade no manejo de compras e pessoal. Com aperfeiçoamentos e fiscalização adequada, o modelo pode ser estendido à educação.

Órgãos como as controladorias do Executivo ganharam maior peso e autonomia. Nos estertores da gestão Dilma Rousseff (PT), criou-se comitê de avaliação das políticas de governo —iniciativa que deveria ser reforçada e estendida às administrações regionais.

Nada disso, de todo modo, desmente o fato de que o Estado brasileiro prossegue inchado e refém de regras e instituições arcaicas, de clientelismo e corporativismo.

O cidadão não vê em geral contrapartida à carga de impostos que consome um terço da renda nacional. A saúde lidera as queixas na maioria das pesquisas de opinião; indicadores de aprendizado e segurança são vexatórios.

O país deu-se ao luxo de não dar a devida atenção às deficiências ao longo dos anos em que a arrecadação tributária em alta comportava um escalada ainda mais aguda da despesa pública. Esse período encerrou-se de maneira traumática.

Não parece otimismo demais, assim, imaginar que o novo ambiente de severa restrição orçamentária seja capaz de catalisar reformas por muito tempo adiadas. Aliás, dificilmente seria possível expor de maneira mais didática esse imperativo do que com o teto imposto ao gasto do governo.

Com ele entra em pauta, desde já, a revisão da série de vinculações obrigatórias de receitas instituídas pela Constituição de 1988. Tais normas tiveram o mérito inegável de elevar verbas cruciais como as do ensino e do SUS, mas são cada vez menos producentes.

Primeiro, porque acomodam os gestores à garantia de recursos que independem dos resultados.

Segundo, porque não é razoável imaginar que todos os 26 Estados e as mais de 5.500 prefeituras devam destinar o mesmo percentual de suas receitas à educação e à saúde para todo o sempre.

Faz mais sentido estabelecer, conforme as demandas de cada região, metas e previsões plurianuais de verbas para os diferentes programas e obras, com prestação de contas e monitoramento por órgãos independentes.

A outra grande frente de batalha é tornar mais produtiva a burocracia estatal, o que passa pela redução do alcance exagerado da estabilidade no emprego do funcionalismo público.

Não procede que o propósito de tal medida seja promover demissões em massa —o número de servidores do país, por sinal, não é excessivo. Precisa-se, isso sim, de agilidade na renovação dos quadros, até para que se possam elevar a premiação por mérito e a remuneração das carreiras prioritárias.

Propostas como essas suscitarão, decerto, tanto a oposição meramente corporativa quanto a preocupação pertinente com o financiamento e a execução adequada das políticas de governo.

É aconselhável, de fato, que cada reforma caminhe de maneira paulatina, precedida por diagnóstico setorial e projeto piloto.

Os temores, no entanto, parecem exagerados. A despeito de um recente movimento pendular rumo à centro-direita, está consolidado na sociedade o entendimento de que o Estado é imprescindível no combate à pobreza e na promoção de oportunidades iguais.

Governantes cometerão suicídio político se deixarem de lado tais prioridades. O mesmo destino, todavia, ameaça os que ignorarem a premência das mudanças.

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