quarta-feira, 19 de abril de 2017

Leis sob suspeita – Editorial | Folha de S. Paulo

Se contratos de obras públicas respondem pela maior parte dos relatos de propina a políticos investigados pela Lava Jato, não menos tenebrosas são as suspeitas de que leis hoje em vigor tenham sido compradas —esta é a palavra— pelo esquema de corrupção.

A suposição não é nova: outra operação da Polícia Federal, a Zelotes, já havia sustentado que tratativas nada republicanas, entre empresários e autoridades do Executivo e do Legislativo, impulsionaram a edição e a aprovação de medidas provisórias.

O tema, porém, ganha nova escala com as delações de executivos ligados à construtora Odebrecht.

A apuração da Zelotes concentrou-se em três MPs, editadas entre 2009 e 2013, durante os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, e convertidas em lei após exame do Congresso.

Já os delatores da Lava Jato falam em nada menos de 13 medidas que teriam tramitado a reboque de pagamentos da empreiteira, conforme levantamento publicado pelo jornal "Valor Econômico".

Dessas, dez tornaram-se legislação; uma, a MP 627, de 2013, aparece nas duas operações da PF —converteu-se na lei 12.973, de 2014, cujos 119 artigos contemplam uma mixórdia de benefícios tributários a transações e setores variados.

Entre os interlocutores mais frequentes no Congresso, destacam-se nos depoimentos e investigações nomes como os dos senadores peemedebistas Romero Jucá (RR) e Renan Calheiros (AL).

Tudo isso, deve-se recordar, ainda precisa ser posto à prova, antes que se definam culpas ou absolvições. Muitos relatos, inclusive, situam-se numa zona cinzenta entre o que pode ser chamado de lobby parlamentar —uma atividade legítima— e a corrupção.

O que se sabe, no entanto, é mais do que suficiente para escancarar vícios graves dos processos legislativo e regulatório do país.

O mais óbvio deles é o recurso abusivo às MPs por parte do Executivo, sob complacência subalterna e oportunista do Congresso. O instrumento, que deveria ser reservado a casos de urgência e relevância incontestáveis, não raro apenas serve de atalho para viabilizar acertos opacos da baixa política.

Percebe-se ainda, em todas as leis ora sob suspeita, a mão pesada do dirigismo estatal, que a todo momento distribui benesses e cria regras particulares para este ou aquele setor econômico e esta ou aquela região, seja pelo arbítrio da tecnocracia, seja pela influência de grupos poderosos.

Tenha havido dolo ou não, a sociedade deve redobrar a vigilância sobre tais práticas. Não se trata de manietar o Estado, mas de cobrar normas mais simples, transparentes, duradouras e, tanto quanto possível, iguais para todos.

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