terça-feira, 11 de abril de 2017

Mercosul dá sinais de vida, depois de anos de letargia – Editorial | Valor Econômico

Depois de vários anos de virtual marasmo, o Mercosul deu passos positivos na semana passada, que sinalizam uma reação ao maior protecionismo global e nacionalismo econômico. Os ministros do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (PCFI), acordo para dar mais proteção e segurança jurídica aos investimentos de um país em outro do bloco. A Venezuela, suspensa desde dezembro, não participou das negociações.

Serviu como inspiração o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI), que busca facilitar o fluxo de capitais, mitigar os riscos e evitar as controvérsias, já assinado pelo Brasil com nove países, entre os quais os quatro da Aliança do Pacífico - Chile, Peru, Colômbia e México. Diferentemente dos acordos da primeira década do Mercosul, nos anos 1990, assinados e nunca aprovados pelo Congresso, o novo pretende, antes de tudo, prevenir conflitos, com o recurso em primeira instância a um ombudsman que tentará viabilizar o entendimento entre as partes (Valor 7/4). Se a divergência não for resolvida, o contencioso passa a ser entre os dois Estados. Assim elimina-se a polêmica cláusula investidor-Estado, que já provocou mais de seis centenas de processos em âmbito global.

Os membros do Mercosul criaram também no Fórum Econômico Mundial da América Latina, realizado na Argentina, o Conselho de Ministros da Indústria, Comércio e Serviços, novo mecanismo de diálogo bilateral e canais diplomáticos para incentivar a integração comercial na região e com países fora do bloco.

Mas provavelmente a maior surpresa foi a assinatura de um acordo de aproximação do Mercosul com a Aliança do Pacífico, em que os oito países se comprometeram a discutir questões como cadeias regionais de valor, cooperação alfandegária, promoção de pequenas e médias empresas, redução de barreiras não tarifárias e facilitação no comércio de bens e serviços. Os dois grupos concordam que há grande potencial para desenvolver o comércio fora do segmento de commodities. O comércio inter-regional na União Europeia chega a 69% do total; na Ásia é de 55%; e, na América Latina, de apenas 18%.

No início do ano, o Mercosul já havia avançado ao retomar a negociação de um acordo com a União Europeia, após anos de marcha lenta e paralisações. Os dois blocos trabalham com a expectativa de anunciar um entendimento até o fim do ano, mesmo que apenas alinhando as questões mais importantes. O compromisso contraria as previsões do ex-ministro das Relações Exteriores, José Serra, que havia dito no início de dezembro que "2017 não será um ano glorioso" nas negociações com a UE.

Faz ainda parte do conjunto de novidades a disposição do Mercosul de negociar acordos de compra governamentais, um mercado que movimenta mais de US$ 3 trilhões por ano entre Estados Unidos e União Europeia, altamente cobiçado pelo governo. O Brasil não faz parte do Acordo sobre Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês), da Organização Mundial do Comércio (OMC), do qual são signatários 43 países. Um acordo de compras governamentais chegou a ser negociado entre o Mercosul e a União Europeia, mas não entrou em vigor.

As notícias são positivas uma vez que a expansão do comércio exterior ajuda na recuperação da economia. O Mercosul é importante parceiro comercial, que absorveu de 10,6% das exportações brasileiras no ano passado, com US$ 19,7 bilhões, e contribuiu com 8,9% das importações, com US$ 12,3 bilhões. Neste ano, as exportações cresceram 20,7% no primeiro bimestre; e as importações, 19,3%. Já a União Europeia tem uma fatia ainda maior: 18% das exportações e 22,6% das importações.

A expansão desse fluxo de comércio não deve ser vista apenas como estratégia defensiva, quando a economia doméstica vai mal. Mas certamente esse fator influenciou a nova atitude do Brasil e do Mercosul, assim como a visão dos novos governantes dos principais membros, Michel Temer no Brasil e Maurício Macri na Argentina, menos protecionistas do que os anteriores. Acima de tudo, contribuiu a mudança de comando nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump e sua política de "America first", que inviabilizou os acordos que o ex-presidente Barack Obama havia estabelecido com países do Pacífico e com a União Europeia.

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