sábado, 22 de abril de 2017

O olho fatal | Ruy Castro

-Folha de S. Paulo

"Justino o quê?". É o que me perguntam quando cito Justino Martins entre os jornalistas com quem mais aprendi. Explico: o gaúcho Justino foi diretor da revista "Manchete" durante 16 anos, de 1959 a 1975, e fez dela a melhor semanal brasileira de seu tempo —talvez de todos os tempos. Em resposta, vejo rostos em branco.

Perdeu-se no Brasil a memória do que seja uma revista semanal ilustrada, com suas reportagens em grandes páginas duplas, um escrete de fotógrafos sob contrato, acesso ao material das melhores agências internacionais e uma Redação de craques do jornalismo e da literatura produzindo textos caprichados. Os modelos lá de fora eram as americanas "Look" e "Life" e a francesa "Paris-Match". Aqui, essa revista era "O Cruzeiro". Quando "Manchete" surgiu, em 1952, não parecia capaz de assustar –era uma revista basicamente de texto, bem escrita, mas muito feia.

Justino, que era seu correspondente em Paris e conhecia todo mundo na Europa —políticos, escritores, princesas no exílio, cineastas—, veio dirigi-la em 1959 e logo enterrou a concorrência. Não importava o assunto, qualquer matéria de "Manchete" era graficamente espetacular. Seu olho para selecionar fotografias era fatal. E era também um leitor atento dos textos que publicava —sei disso porque fui seu redator nos anos 70, e ele me chamava para discutir de vírgulas a ideias.

Levou para a revista seu estilo de vida: elegância, sol, mulheres bonitas, viagens, literatura (reservou quatro páginas para a morte de Ezra Pound, em 1972) e um charmoso verniz de esquerda. Os pesquisadores de hoje ficariam surpresos se dessem à coleção de "Manchete" a importância que dão à de "Veja" ou do "JB".

Justino, que morreu em 1983, teria completado 100 anos no dia 13 último. Só foi lembrado pelos colegas e amigos.

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