segunda-feira, 3 de abril de 2017

Roubando a cena | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Resultado obtido por Benjamin vai além da Lava-Jato

O cenário político é desolador. A crise política não dá refresco. Ao longo da última semana, o cenário continuou a se agravar. A ação que corre no TSE eclipsou a Lava Jato. O ministro Herman Benjamin ocupou o centro do palco e relegou Sérgio Moro e Deltan Dallagnol a meros coadjuvantes. O juiz passou pelo Congresso e sentenciou Eduardo Cunha. O promotor sapecou uma multa no PP que ameaça a continuidade do partido. Herman Benjamin, contudo, dominou as manchetes e ocupou as mentes e tratativas dos políticos. Antecipando-se à Lava-Jato, o ministro promete jogar a pá de cal sobre os principais partidos brasileiros, incluindo, desta vez, o PSDB e o presidente Temer.

A história da ação aberta pelos tucanos contra a chapa Dilma-Temer flerta com o surrealismo. Em fevereiro de 2015, a ação foi arquivada pela relatora original da matéria por falta de provas e evidências. Em agosto, graças ao diligente ministro Gilmar Mendes, a ação foi ressuscitada e voltou a tramitar. Ganhou corpo e novo alento quando as provas produzidas pela Lava-Jato foram incorporadas aos autos. O ministro Luiz Fux pediu vistas e indicou que iria brecar a tramitação. Mudou rapidamente de alvitre. Fez mais que isto, reuniu as três ações que corriam paralelamente em uma só e deu novo impulso ao processo.

A ação perdeu seu sentido original após o impeachment. Dilma e o PT deixaram o poder por outros meios. Nesta operação, o PSDB se juntou ao vice-presidente Michel Temer, cujo governo passou a apoiar. Obviamente, diante do novo quadro, os tucanos perderam o interesse em tocar a ação que tanto haviam lutado para manter viva.

A expectativa geral era a de que o processo fosse abandonado e que, relegado ao esquecimento, não desse em nada. Faltou combinar com o Ministro Herman Benjamin, que passara a ditar os rumos da ação em outubro de 2015. Contra todos os prognósticos, o ministro tomou a sério a tarefa que lhe fora confiada.

Benjamin manteve o foco na chapa e não na presidente eleita. A última vez que eleitores tiveram dois votos, um para eleger o presidente e outro para vice-presidente, foi em 1960. Os eleitos, respectivamente, Jânio Quadros e João Goulart, eram apoiados por chapas distintas. Para evitar a repetição do desencontro eleitoral, modificou-se a legislação. A que se saiba, ninguém propôs o retorno da eleição por chapas distintas.

O ministro Herman Benjamin ampliou o escopo das investigações. Dispensando intermediários, foi direto à fonte e colheu provas. Ao convocar a depor os altos funcionários da Odebrecht, se deparou com as bases do financiamento de todas as chapas que concorrera à presidência, a do autor da ação incluída. Assim, Herman Benjamin deu um verdadeiro "furo" na Lava-Jato.

O teor dos depoimentos pôs em pé o cabelo das grandes lideranças políticas do país, incluindo Aécio Neves e Geraldo Alckmin. Os dois juram que receberam dinheiro da Odebrecht para trabalhar, para financiar a compra do trigo sem joio. O presidente Temer também se encontra entre os gravemente feridos. Tentar melar as provas, alegando vazamento para a imprensa, tarefa que coube ao infatigável ministro Gilmar Mendes, auxiliado desta feita por artigo assinado pelo não menos incansável Nelson Jobim, é um indicador do desespero que une todos os réus.

O resultado obtido por Herman Benjamin vai além da Lava-Jato. O presidente Temer e o PSDB que, até o momento pelo menos, haviam escapado das garras da força-tarefa, foram chamados à dança. Talvez não conseguissem se safar por muito tempo, mas, seja como for, o fato é que a ação do TSE, da qual pouco se esperava, retirou-lhes o conforto. O teor das temidas delações da Odebrecht, finalmente, virá a público. O estrago, pode se antecipar, será o de uma avalanche.

Ninguém em sã consciência acredita que a cassação ou o afastamento imediato de Temer seja uma possibilidade real. Há sempre uma rota de fuga para o caso de incêndio. Temer não será afastado e, de uma forma ou de outra, concluirá o que resta do seu mandato.

A fragilização do governo é evidente. E os problemas não param aí. Não há realizações e vitórias a anunciar. A economia continua a não fornecer a esperada compensação. O déficit público teima em se manter no patamar herdado da administração anterior. O tal choque de expectativas e de confiança ficou na promessa. Os níveis de aprovação do governo se aproximam rapidamente dos obtidos por Dilma quando defenestrada.

Para resumir, a ficha já caiu para todos, trocou-se seis por meia dúzia. O governo Temer, tudo indica, vai se arrastar de forma melancólica até o seu final. Exagerando, só não terá o mesmo destino que sua antecessora por desalento. Quem se anima a ir à rua para pedir novos rumos? Chamar quem para governar? Pesquisa de opinião divulgada durante a semana revelou que todos os políticos de nomeada, os presidenciáveis, registram taxas de rejeição beirando ou acima de 60%. Bem na fita, somente os juízes Sérgio Moro e Joaquim Barbosa. Não é a toa que a candidatura presidencial do prefeito João Doria vem ganhando corpo. Mais sintomático é que Luciano Huck, instruído por conversas e conselhos de Fernando Henrique Cardoso, anuncie sua disposição de servir à causa pública.

Herman Benjamin colocou a todos na posição de réus. O impensável ocorreu. PT, PSDB e PMDB se uniram e buscam encontrar formas para protelar a publicação do relatório do ministro.

Do nada, Herman Benjamin assumiu o papel central e abreviou o final da peça. No mundo político, ninguém gostou da concisão do roteiro suprapartidário escrito pelo ministro. Benjamin suplantou Moro, sem alarde, sem arrogância e sem grupos de apoio no Facebook. Roubou a cena. Roubou também o futuro de boa parte dos políticos brasileiros.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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