sexta-feira, 28 de abril de 2017

STF atento ao Congresso | Merval Pereira

- O Globo

Se, como muitos desconfiam, a intenção dos senadores ao aprovar em primeiro turno o fim do foro privilegiado em todos os níveis, com exceção dos presidentes dos três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — foi fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) retirar de sua pauta de maio o tema e ganhar tempo, para controlar o processo decisório, a estratégia não vai dar certo.

A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não pretende mudar a pauta que ela vem anunciando, pela primeira vez, com mais de um mês de antecedência. Só o fará caso o relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, considerar que houve perda do objeto, isto é, se o processo do Congresso chegar nesses próximos 30 dias a uma decisão final que prescinda da análise do Supremo.

A emenda constitucional aprovada no Senado é bem mais ampla que a decisão que o STF poderia tomar, pois o caso em pauta restringe o foro privilegiado, mas não o extingue no processo em que o relator, ministro Luís Roberto Barroso, aproveitando o caso do prefeito de Cabo Frio, defendeu a interpretação restritiva do foro privilegiado.

Se a tese for vitoriosa no plenário, muitos dos casos hoje no Supremo devem ser encaminhados pelo ministro Fachin para instâncias inferiores, mas a decisão só atinge os parlamentares. Foi o que fez o Senado tomar a dianteira para ter o controle do processo, além de uma óbvia motivação vingativa.

O senador Romero Jucá parece ser o porta-voz da corporação de senadores. Quando gravado clandestinamente, estava querendo “estancar a sangria” e fazer um acordo amplo para conter a Operação Lava-Jato. Desta vez, explicitou a posição dos senadores numa linguagem crua e desabrida, meses atrás: “Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada.”

Foi o recado que os senadores deram, retirando o foro privilegiado de todos os 35 mil servidores (ou 22 mil, os números são discrepantes porque não há um controle efetivo e depende da interpretação) que tinham a chamada “prerrogativa de função”.

O ministro Luís Roberto Barroso, ao relatar o processo contra o prefeito, aproveitou para sugerir que o plenário do STF analisasse a restrição do foro privilegiado aos crimes cometidos no cargo, e em razão do cargo, e apenas a esses. Mas a medida terá repercussão geral para todos os parlamentares.

No caso sob análise, o prefeito de Cabo Frio, terminado o mandato, foi eleito deputado, e depois prefeito novamente, e as diversas “subidas e descidas” de competência de foro — do TRE para o STF e de volta ao TRE — estão prestes a gerar a prescrição pela pena provável.

Embora saiba que qualquer mudança deve ser feita pelo Congresso, através de emenda constitucional, Barroso diz que “é possível reduzir o problema representado pelo foro privilegiado mediante uma interpretação restritiva do seu sentido e alcance, com base no princípio republicano e no princípio da igualdade”.

A tese aparentemente já tem a maioria do plenário do Supremo, sendo que o decano da Corte, Celso de Mello, tem posição até mais radical, justamente no sentido do que foi aprovado pelo Senado. Para ele, o foro privilegiado deveria ser concedido apenas aos presidentes dos três poderes da República.

A emenda constitucional aprovada alterou o artigo 53 da Constituição, que exige a aprovação do Congresso para que a prisão de um parlamentar seja efetuada, fora de situações de flagrante de crime inafiançável. A nova redação esclarece que parlamentar pode ser preso por condenação em segunda instância em crimes comuns, sem a necessidade de aprovação de seus colegas.

Parlamentar continua com privilégio, pois uma pessoa comum pode ser alvo de prisão preventiva ou temporária sem flagrante, quando a prisão for necessária à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Tenho a impressão de que a provável manobra arquitetada por um grupo de senadores envolvidos na Lava-Jato acabará não dando certo, pois se não estiver encaminhada uma solução definitiva no Congresso nos próximos 30 dias, o STF se encarregará de restringir o foro privilegiado dos parlamentares.

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