domingo, 9 de abril de 2017

Tributar com justiça – Editorial | Folha de S. Paulo

Se não resta dúvida de que os brasileiros pagam muito para custear seu governo, tampouco parece realista imaginar que a carga de impostos possa ser reduzida ao longo dos próximos anos.

Tributos federais, estaduais e municipais consomem quase 35% de toda a renda nacional, patamar só igualado ou superado em países mais ricos e menos populosos, europeus em sua maioria.

Nem por isso, entretanto, os serviços públicos são satisfatórios, como se sabe —e nem por isso o dinheiro arrecadado é suficiente.

Nos três níveis de governo, as despesas ultrapassam com folga a casa dos 40% do PIB. Como a dívida está em alta e ainda há áreas vitais subfinanciadas, como a saúde e a infraestrutura, a possibilidade de abrir mão de receitas não está no horizonte visível.

Dada a carga tributária como um fardo inevitável, cumpre torná-la menos nociva. É necessário, sem dúvida, simplificar a cobrança de impostos e contribuições, intento básico da reforma esboçada pelo governo Michel Temer (PMDB).

Mas não só: a tributação brasileira precisa ser mais justa —com redistribuição da conta de maneira proporcional à capacidade de pagamento dos contribuintes.

Para os dois objetivos deverá concorrer a tão debatida fusão dos múltiplos tributos hoje incidentes sobre a venda de mercadorias e serviços, que compõem, além de um emaranhado burocrático infernal para as empresas, um ônus desmesurado para os consumidores —sobretudo os mais carentes.

Metade da arrecadação do país provém do gravame do consumo, uma fatia muito superior à recomendada pelas melhores práticas internacionais. No mundo desenvolvido, o percentual varia de 15%, nos Estados Unidos, a cerca de 30%, na Europa ocidental.

Em contrapartida, menos de um quinto das receitas brasileiras origina-se da taxação direta de lucros, salários e outras fontes de renda, enquanto mesmo emergentes como Chile e México apresentam proporções acima dos 30%.

Sem elevar a carga total —e esta deve ser uma condição imperativa—, deve-se caminhar rumo a um sistema tributário que contribua para reduzir a desigualdade entre ricos e pobres.

Para tanto, não bastará reduzir o número de tributos indiretos, embutidos nos preços dos produtos e pagos igualmente por todos os consumidores; há que, gradativamente, depender menos deles e mais do Imposto de Renda, cujas alíquotas aumentam conforme a remuneração percebida.

Não se duvide de que o objetivo é politicamente espinhoso e impossível de ser atingido com uma única reforma. No momento, as ambições oficiais limitam-se a harmonizar, gradualmente, a cobrança do PIS, da Cofins e do ICMS, todos incidentes sobre o consumo.

Nesse processo, tendem a ser revistos incentivos e regimes especiais, o que ajudará a tornar o sistema mais equânime.

A taxação das mercadorias, ademais, também deve obedecer a critérios de progressividade, com isenção para artigos essenciais e carga extra sobre itens cujo consumo se pretenda coibir.

Quanto ao IR, a alíquota máxima da tabela das pessoas físicas, de 27,5%, é baixa para os padrões internacionais. Países de estágio de desenvolvimento semelhante usualmente cobram entre 30% e 40% dos rendimentos mais elevados.

Outra área em que se pode avançar é a tributação dos dividendos distribuídos pelas empresas a seus sócios. Nos EUA e na Europa há imposto sobre os lucros e a distribuição destes, numa soma de até 50%; aqui, tributa-se só o lucro da pessoa jurídica, em 34%.

Nos Estados e municípios, há espaço para ampliar a tributação sobre o patrimônio —ainda que esta seja menos representativa em todo o mundo, devido ao objetivo de estimular a formação de poupança.

O imposto sobre heranças e doações, estadual, só nos últimos anos vem sendo cobrado com maior pertinácia; já o IPTU continua negligenciado por grande parte das prefeituras, dada a comodidade das verbas recebidas da União.

Trata-se, sem dúvida, de uma agenda ampla e complexa —que, aliás, perderá sentido e legitimidade se o esforço reformista não for estendido ao controle e à eficiência das despesas públicas.

O teto estabelecido para o gasto federal é apenas um primeiro e importante passo. A sociedade precisa, além de serviços de maior qualidade, da garantia de que o governo não permanecerá um sorvedouro insaciável de recursos.

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