quarta-feira, 3 de maio de 2017

Após 100 dias de governo, não se sabe para aonde vai Trump – Editorial | Valor Econômico

Os 100 dias do governo de Donald Trump foram uma amostra em câmera rápida do que podem ser os próximos 1.300 em que, em tese, ele permanecerá na Casa Branca. O noviciado de Trump, que nunca se elegeu para nada nem tem experiência de governo, foi marcado por um início caótico esperado e por reviravoltas sob duros choques com a realidade do poder. Trump é o presidente que assumiu com a menor popularidade desde os anos 1940 e terminou 100 dias com ela ainda mais baixa. Ele pode ter desagradado à maioria dos americanos, mas não aos republicanos - 84% deles acham que o presidente está fazendo o que, como candidato, disse que faria.

Para um mandatário ruidoso, que dá curtos circuitos no próprio governo via twitters, é um pouco mais difícil separar a contínua propaganda de si mesmo de Trump daquilo que ele conseguiu de fato fazer. Na política doméstica, o ativismo das ordens executivas, o maior desde Franklin Roosevelt, dedicou-se basicamente a tentar desfazer tudo que o Obama colocou de pé. Na prática, houve avanço da retrógrada plataforma republicana sobre o ambiente e uma estrondosa derrota na tentativa de eliminar o Obamacare, a universalização obrigatória dos planos de saúde. O presidente não conseguiu acordo nem entre republicanos sobre o que pôr no lugar.

A política externa foi marcada por guinadas. Colocar a China como manipuladora do câmbio e a inimiga número um da produção e dos empregos americanos foi um dos pontos principais de campanha. Após encontro com Xi Jinping, Trump não falou mais no assunto. A promessa de acabar com o Nafta ainda está de pé, mas o presidente resolveu dar o benefício da dúvida e tentar renegociar suas bases antes, sem deixar de brigar com o México e dinamitar pontes com o Canadá, cujas exportações de madeira para os EUA foram postas sob investigação. Já o muro separando o país do México, se sair, não será este ano. Um acordo para impedir a paralisação das atividades do governo não alocou recursos no orçamento para sua construção.

Em assuntos prementes da segurança interna e externa, Trump também mudou de rumo. No caso da proibição de imigração de alguns países muçulmanos, foi derrotado pela Justiça. Sobre a Síria, onde prometeu não se envolver, ordenou um bombardeio a um aeroporto militar. Não mexeu no acordo com o Irã, que classificou de "horrível". Após criticar a Otan e exigir que os aliados pagassem mais pela proteção, Trump passou a elogiá-la com a mesma ligeireza com que antes a atacava: "Eu disse que ela era obsoleta. Não é mais obsoleta".

Ao atirar palavras ao vento, Trump pôs em maus lençóis sua equipe de governo, que tenta como pode torná-las palatáveis. Em cem dias surgiram disputas nos círculos da Casa Branca. Estão em alta Ivanka Trump e seu marido, Jared Kushner, e em baixa momentânea o estrategista chefe, Steve Bannon. Gary Cohn, ex- Goldman Sachs e chefe do Conselho de economistas da Presidência, é ironicamente chamado de "Globalista Gary" pela ala protecionista e xenófoba de Bannon e aliados.

Os próximos passos já desenhados vão na mesma batida. Um documento vazado antes de Trump mudar de posição na semana passada sobre o Nafta, bombardeava o acordo por haver causado "uma maciça transferência de riquezas" para fora dos EUA. Os acordos que não aumentem crescimento, empregos e saldo comercial dos EUA seriam revistos ou anulados. Essa é a posição de Bannon, do secretário de Comércio, Wilbur Ross, do representante da USTR, Robert Lightizer. Nesse ponto há constância de ações e propósitos. Trump colocou os EUA na exótica posição de se tornar a maior ameaça ao livre comércio mundial.

Enfastiado com a morosidade das coisas, Trump pôs o secretário do Tesouro em uma fria, ao antecipar de junho para terça-feira passada a reforma tributária que corta impostos de empresas (de 35% para 15%) e pessoas físicas (de 29% para 35%). Mnuchin apresentou um ridículo esboço de uma página, cujos pontos, porém, acenam com forte ganho para a minoria de altíssima renda, sem se preocupar com cortes. O jornal Financial Times qualificou-o de "reaganomics com esteróides". O déficit público aumentará US$ 2,4 trilhões em 10 anos. Sem ser republicano, Trump adota o pior da ortodoxia republicana.

Sobre sua estreia, Trump disse que imaginava que seria "mais fácil" exercer a Presidência. Nunca foi e sua personalidade pode tornar as coisas incrivelmente mais difíceis.

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