quarta-feira, 24 de maio de 2017

Dilema de Janot | Míriam Leitão

- O Globo

O procurador-geral da República fez perguntas a si mesmo. “Na solidão do meu cargo”, como escreveu. Era ter todas aquelas provas estarrecedoras ou não fazer o acordo. Era abril e estavam os irmãos Batista de um lado e Janot, do outro. Joesley-Wesley são acostumados a ganhar sempre e sabem jogar. Janot temia que o país não pudesse saber o que ele acabara de ser informado. Foi o dilema de Janot.

Oque os irmãos tinham a entregar era um volume alto de mercadoria: quase dois mil políticos financiados, o senador Aécio e uma conversa indecorosa em todos os sentidos, o presidente da República recebendo às escondidas um investigado, propinas cobradas pelo então ministro da Fazenda em empréstimos do BNDES para serem enviadas para contas no exterior que financiavam campanhas de Lula e Dilma. Muito estava sobre a mesa.

Em março, Janot falou sobre o quanto o Brasil havia mudado com a Lava-Jato. E naquele março tramavam em altos endereços. Em abril, a dupla chegou na frente de Janot e pediu o máximo: imunidade penal. Em troca, os dois entregariam provas dos crimes que cometeram, que coletaram intensamente nos dias prévios da delação. Era tentador. Tudo isso será teu.

“O roteiro da vida real é surpreendente”, diz Janot. No terceiro ano da Lava-Jato, completado naquele março de 2017, quem poderia imaginar que o presidente Temer iria pedir ao deputado Rodrigo Rocha Loures para combinar um encontro noturno e clandestino com o empresário Joesley Batista no Jaburu? Depois da Sepsis, Greenfield, Cui Bono. Cui Bono?

O deputado Rocha Loures correu num estacionamento, semanas depois, com uma mala de R$ 500 mil entregues por um diretor da JBS. Ontem, a mala foi entregue à Polícia Federal. Eram outros quinhentos? A conversa é toda um desfilar de informações relevantes.

— O Guido era o coordenador dos fundos, que são a Petros e a Funcef. E acontecia situação idêntica, é uma situação análoga ao BNDES, com uma diferença. Nos fundos, eu pagava propina também para o dirigente e também para o PT, para o tesoureiro. Tinha uma planilha que eu abria 1% para o dirigente, o presidente do fundo, e 1% para o PT, que era administrado pelo Vaccari e creditava na conta do Guido — disse Joesley.

Janot explicou no artigo que “além desses fatos aterradores foram apresentados dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamentos de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas”.

O PGR lamenta que, mesmo diante de tudo isso, o foco em vez de ser “o estado de putrefação de nosso sistema de representação política” foi sobre os benefícios concedidos aos “colaboradores”. O melhor, na verdade, é ficar atento a tudo. Ao que está podre, e aos benefícios dos muito vivos.

Joesley e Wesley estão tão acostumados a ganhar que quiseram especular com a própria volatilidade que provocariam. A CVM está com sete procedimentos abertos. Vai demorar de três a seis meses para julgar. E agora os processos estão mais ágeis na comissão. A pena máxima é de R$ 500 mil. Pagase com uma mala de Rocha Loures. O Banco Original está a salvo porque os dois irmãos não são membros de nenhum órgão estatutário do banco.

Anos atrás circularam rumores de jogadas especulativas em câmbio. No mercado de carne, o grupo foi investigado por compra de boi de fazenda com flagrante de trabalho escravo ou de desmatamento. Eu o entrevistei sobre isso e ele me disse uma frase que explica sua ética: “Se eu não comprar o bicho, alguém compra.” Depois disso, assinou com o Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e passou a lucrar com isso, sustentando que sua carne era mais limpa. Uma vez ele salvou a face da direção do BNDES. O banco virou sócio de um frigorífico, o Independência, que faliu em seguida. O JBS comprou e livrou o banco do mico.

Foi essa dupla, acostumada a ganhar sempre, a especular, a dobrar a aposta, que se sentou na frente do PGR para propor o acordo. O que eles tinham a contar era valioso. O preço pedido foi excessivo. Se Janot recuar agora será quebra da segurança jurídica de acordos de delação, que tem sido um instrumento importante para avançar a negociação. Mas se eles delinquiram, mesmo depois do acordo, pode ser a senha para que o próprio Janot resolva seu dilema.

Nenhum comentário: