segunda-feira, 22 de maio de 2017

Economia é resistente à crise entre poderes | Angela Bittencourt

- Valor Econômico

Em parceria, BC e Tesouro atuam como seguro ao mercado

Dinheiro não tem pátria, nem carimbo. Essa definição corriqueira do capital financeiro foi consolidada no Brasil de crises cambiais, fiscais e políticas. As crises cambiais - hit dos anos 80 e 90 - minaram a confiança de investidores estrangeiros no Brasil; as fiscais desacreditaram o governo Dilma Rousseff em praça pública e as políticas testam as convicções dos governantes e o apoio de seus aliados desde a instalação da Lava-Jato. Há alguns meses, uma crise moral se instalou no país, fragiliza todas as instâncias de poder da República e testa a resistência de grandes empresas nacionais - algumas multinacionais por obter benesses do governo.

Revelações que atestam a geração de uma base monetária de propinas em troca de facilidades empresariais, profissionais e pessoais ainda surpreendem e multiplicam obstáculos que desviam a economia da rota do crescimento. Com o brasileiro enredado pelo constrangimento, faz-se atual e oportuno o discurso de posse de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, em março de 2015.

Prestigiado pelo mercado financeiro, embora não fosse o candidato preferencial do setor ao posto, Levy alertou contra o "patrimonialismo". Recordou que a presidente da República declarou, quando diplomada, seu compromisso de dar um basta ao sistema patrimonialista e, em suas palavras, à sua "herança nefasta". A presidente era Dilma Rousseff, afastada definitivamente do cargo em agosto do ano passado por crime de responsabilidade.

Ministro de Estado, Joaquim Levy afirmou que o patrimonialismo é a pior privatização da coisa pública. "O patrimonialismo se desenvolve em um ambiente onde a burocracia se organiza mais por mecanismos de lealdade do que especialização ou capacidade técnica, e os limites do Estado são imprecisos. É um mecanismo excludente, ainda que o Estado centralizador possa gerar novos grupos para operá-lo (...) A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado, nas relações econômicas e na provisão de bens públicos, inclusive os sociais."

Essa impessoalidade, diz o ex-titular da Fazenda e ex-secretário do Tesouro Nacional, fixa parâmetros para a economia, protegendo o bem comum e a Fazenda Nacional. A iniciativa privada e livre tem condições de se desenvolver melhor. A impessoalidade dá confiança ao empreendedor de que vale a pena trabalhar sem depender, em tudo, do Estado.

O Brasil vive hoje o oposto desse ideário. A economia voltará a crescer porque nem todas as forças vêm de um governo e poucas são garantidas por esse ou aquele presidente. "A produtividade do nosso trabalhador permitirá que os ganhos dos salários obtidos até aqui se consolidem e que a inclusão social prossiga. Junto com o reequilíbrio fiscal, esse avanço será a chave não mais contingente, do novo ciclo de crescimento", disse Levy na posse em 2015. O discurso, contundente e atemporal, não evitou a derrota do ex-ministro nas tentativas de avançar nas reformas. Em menos de um ano, após o discurso, ele deixou o governo.

É ilusório supor que um presidente da República ou um ministro de Estado consiga mudar radicalmente e a toque de caixa as práticas de uma sociedade mesmo sob chancela de um Legislativo exemplar. Como outras nações espoliadas, dia sim e no outro também, por maus governos e empresários duvidosos, o Brasil seguirá adiante - mais por tentativa e erro que por convicção. Até por isso, o pânico é péssimo conselheiro.

Até que a sociedade se convença de que pode escolher governantes melhores e tenha a quem escolher, o país não cairá em um abismo. A história recente mostra que há de se fazer um esforço para que a economia tenha mais eficiência e que isso independa de fulano ou beltrano, mas de competência técnica de decisões, parâmetros e regulações. Não é simples nem rápido, mas o Brasil teve avanços institucionais não desprezíveis.

Após fortíssimo reposicionamento dos investidores na quinta-feira, na sexta preços e taxas reagiram, o que não quer dizer que o Brasil saiu de uma zona de risco ou que não se repetirão outras sessões turbulentas no mercado financeiro. Vão se repetir, inclusive, por pressão de eventos externos. É no mercado financeiro que se administram os riscos para evitar perdas. Portanto, virão dias melhores e outros muito piores. Mas a reação dos preços dos ativos, na sexta, mais uma vez mostrou que o bom senso tende a prevalecer quando investidores e instituições bancárias não se sentem abandonados. Isto é, quando há certeza de que terão uma contraparte para negociar os mesmos ativos, se necessário.

A garantia de contraparte foi dada pelo Banco Central e o Tesouro Nacional. Na sexta-feira, ambos promoveram operações que vão se repetir nesta segunda e terça-feira. O BC se comprometeu a 'vender' dólares ao mercado financeiro. Essa venda não é de moeda física, mas de um contrato denominado 'swap cambial'.

Ao vender essa modalidade de contrato, o BC assume um trato com os compradores: caso a variação do preço do dólar em determinado período for maior que a variação da taxa de juro de curto prazo, ele, BC, paga determinada quantia de reais aos compradores dos swaps. Caso ocorra o contrário, a taxa de juro tenha uma variação maior que a do dólar, o mercado paga determinada quantia de reais ao Banco Central. Fica estabelecido, portanto, um equilíbrio de riscos.

Esse contrato já foi utilizado pelo BC no passado recente, em momentos que se mostraram mais críticos que o atual, ao menos até agora. O montante desses contratos de 'swap cambial' disponível ao mercado já alcançou US$ 114 bilhões, ainda na administração anterior do BC, presidida por Alexandre Tombini. A sua diretoria e a comandada por Ilan Goldfajn, desde meados do ano passado, reduziram expressivamente esse estoque de contratos que estavam no mercado, ação que pode ser interpretada como determinação da autoridade monetária de diminuir e conter sua exposição às variações da taxa de câmbio.

Na sexta-feira, o montante de contratos que estava em mercado rondava US$ 19 bilhões e as operações do BC elevaram a mais de US$ 30 bilhões - ainda baixo se comparado aos US$ 114 bilhões do passado.

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