terça-feira, 9 de maio de 2017

Em busca da liderança perdida – Editorial | O Estado de S. Paulo

A dimensão da crise por que passa o País torna inadiável o debate acerca das reformas do Estado, como as propostas para o sistema político e as leis trabalhista e previdenciária – já em tramitação no Congresso Nacional – e mesmo a revisão do pacto federativo e a necessidade de convocar uma Assembleia Constituinte capaz de dar ao Brasil uma nova Carta Política, mais equilibrada e funcional, apta a prover soluções para os desafios atuais.

Não menos importante é a discussão sobre o anêmico quadro de genuínas lideranças políticas, cuja falta não só torna o processo de transposição da crise mais penoso, como também abre um perigoso espaço para o imponderável, enublando a visão de futuro dos brasileiros.

Sob o pretexto de uma suposta falência da “política tradicional”, começa a ganhar espaço cada vez maior o discurso em favor de nomes alheios ao mundo político – os chamados outsiders –, como se este distanciamento da política por si só representasse um atestado de bons antecedentes ou de vocação para a administração pública. Isso mostra quão perfunctória é a abordagem da questão das lideranças públicas nos dias de hoje.

Questão central no campo de estudos e pesquisas do mundo empresarial, a essência da liderança parece passar ao largo do debate no ambiente político. Quando muito, é abordada superficialmente sob a ótica do marketing, visando ao desempenho eleitoral dos candidatos e à imagem dos eleitos que é projetada para a opinião pública durante seus mandatos. Não surpreende que, quando se fala em “novas lideranças políticas”, quase sempre se está tratando de celebridades de ocasião, animadores de auditório, famosos em geral.

A busca por uma genuína liderança política não aparece, hoje, como uma preocupação fundamental. Quando se analisa a natureza da liderança exercida por figuras sobejamente reconhecidas como “líderes” no universo político, percebe-se que, na verdade, não passam de lideranças meramente institucionais, oriundas da ocupação de cargos eletivos após o bom manejo de engrenagens partidárias que as levaram ao sucesso eleitoral. São “líderes” sem propostas inovadoras ou criativas. São “líderes” que não lideram.

É imprescindível que a sociedade brasileira – à luz dos recentes episódios que, dia após dia, evisceram a torpeza com que o poder tem sido exercido no País – se debruce sem mais delongas sobre tema tão necessário à democracia. A existência e a prática de uma verdadeira liderança política estão na essência do regime democrático. É nelas que reside a organização e a manutenção do funcionamento da sociedade, transformando-a quando assim o povo desejar.

Lideranças políticas genuínas podem se apresentar de duas formas. Há aquelas que arrebatam a sociedade com sua própria visão para o País e apresentam claramente um projeto de Nação, conduzindo o povo que o acolhe na direção de sua consecução. Outro tipo é aquele que tem a sensibilidade de perceber os anseios do povo e de oferecer exatamente aquilo que ele deseja. Tanto uma quanto outra – a que conduz e a que é conduzida pelos acontecimentos – são lideranças igualmente importantes para a democracia. Não se observa nem uma nem outra no atual quadro político brasileiro.

Períodos de adversidade – como o que ora se apresenta – são férteis para o surgimento de novas lideranças. A História é pródiga em exemplos de personagens que, tomados pelas circunstâncias, se revelaram grandes líderes. Mas os brasileiros precisam, mais do que nunca, estar atentos. Momentos assim também têm o condão de propiciar o aparecimento de embusteiros que se apropriam do desalento e da descrença dos cidadãos nos modelos e práticas até então conhecidos, apresentando soluções simples para problemas complexos. O País não precisa de salvadores. A liderança política não é um dom messiânico. A sociedade brasileira deverá saber distinguir aqueles capazes de traçar diagnósticos precisos, apontar caminhos viáveis e inspirar engajamento.

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