quinta-feira, 4 de maio de 2017

Franceses às urnas: Ataques do início ao fim

Debate inédito entre Le Pen e Macron é marcado por acusações no lugar de propostas

Fernando Eichenberg | O Globo

PARIS - A climatização foi rigorosamente regulada no estúdio onde os dois candidatos ao pleito presidencial francês protagonizaram o único debate de TV do segundo turno, mas a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, da Frente Nacional (FN), e o centrista Emmanuel Macron, do movimento Em Marcha!, fizeram a temperatura subir em duas tensas horas de trocas de farpas e acusações. Num frequente diálogo de surdos, marcado por constantes interrupções de ambos os lados, Le Pen não cessou de procurar vincular seu oponente ao quinquênio do governo de François Hollande, do qual ele foi ministro da Economia durante dois anos, e de responsabilizá-lo pelos atuais males do país como o “candidato do sistema” e “Hollande Júnior”. Macron, por sua vez, procurou enfatizar as propostas xenófobas e antieuropeias da líder extremista, herdeira de um partido da direita radical, acusando-a de alimentar a “guerra civil” no país e de falar “besteiras” e “mentiras” em suas intervenções.

EUROPA NO CENTRO DA DISCÓRDIA
Foi a primeira vez que Macron, 39 anos, e Le Pen, 48, se encontraram face a face na campanha eleitoral, num inédito debate entre dois candidatos que nunca exerceram o mais alto posto do Executivo ou haviam chegado ao segundo turno de uma eleição presidencial. Le Pen, atrás nas pesquisas — perderia por 60%59% a 40%-41%, segundo as sondagens de ontem — partiu para o ataque logo na abertura da discussão, ao dizer que Macron deixou “cair a máscara” no segundo turno, definindo-o como o “filho querido do sistema e das elites”:

— O senhor Macron é a escolha da globalização selvagem, da “uberização”, da precariedade, da guerra de todos contra todos, do saque econômico, do comunitarismo. A frieza do banqueiro que você nunca deixou de ser reemergiu. Você é a França que se submete às exigências da União Europeia (UE), à concorrência desleal. Você não tem espírito nacional. Você defende os interesses privados. Macron rebateu no mesmo tom: — Você acaba de demonstrar que não é a candidata do espírito de delicadeza, da vontade de um debate democrático, equilibrado e aberto, esperava outra coisa. Você é a herdeira de um nome, de um partido político, de um sistema que prospera sobre a cólera dos franceses há tantos anos. Não vou dizer aqui que você reivindica esta herança, há 40 anos neste país nós temos tido Le Pen candidatos. Face a este espírito de derrota, eu proponho um espírito de conquista francês.

O tema Europa e zona do euro, um dos principais pontos de discórdia dos dois candidatos, ocupou boa parte do debate. Le Pen teve dificuldades em explicar claramente seu projeto de eventual saída da UE e do abandono da moeda única.

— Coisas essenciais nos bloqueiam para podermos relançar nossa economia, e há a possibilidade de ir contra regras europeias — disse, acrescentando que serão os cidadãos que decidirão num referendo sobre o futuro da França na UE. Macron respondeu diretamente: — Sou contra tudo o que disse Marine Le Pen. Você propõe sair (da UE), eu digo que é um projenão to mortífero e perigoso. Minha visão é a de construir um euro e uma política europeia fortes, na qual defenderemos os interesses da França.

No combate ao terrorismo, Le Pen propôs a recuperação imediata das fronteiras nacionais e a expulsão de todos os indivíduos “fichas S” estrangeiros (suspeitos de ligação com o terrorismo).

— Deixar (no país) 11 mil pessoas de ficha S por fundamentalismo islâmico é uma verdadeira vergonha. Não somente você não tem um projeto para combater o terrorismo, mas tem uma complacência com o islamismo radical. Porque você me corta a cada dez segundos, sinto que está irritado.

Macron replicou que a França restabeleceu o controle das fronteiras desde novembro de 2015 e interpelou desde então cerca de 60 mil pessoas:

— Eu não estou irritado, fale de seu projeto e não diga besteiras sobre o meu. O que você propõe é pó de pirlimpimpim. A chave é perceber as ameaças, precisamos de uma maior cooperação entre os Estados-membros da UE, e poder controlar as fichas de potenciais terroristas que circulam de um território a outro, em avião. Você votou contra isso!

LE PEN: ‘PROGRAMA DE REFORMAS IRREAIS’
Nas questões econômicas, sobre aposentadoria, desemprego, poder de compra ou impostos, prevaleceram as fórmulas acusatórias em detrimento do conteúdo. Macron ironizou a visita de Le Pen à fábrica da Whirlpool, em Amiens, no Norte da França, para “fazer selfies” com os trabalhadores em greve. Já Le Pen acusou o adversário de defender um programa de reformas econômicas irreais:

— Como você é socialista, vai nos dizer: “Isso não custa nada, é o Estado que paga”.

No encerramento, os dois candidatos não pouparam ataques mútuos. Le Pen defendeu uma França livre e independente, com suas fronteiras, e disparou contra o rival:

— Você é o candidato do fechamento de fábricas, de maternidades, de hospitais. A única coisa que não quer fechar são as fronteiras. Você quer entregar a França a uma imigração maciça.

Já Macron acusou a adversária de defender um projeto que visa a “viver do medo e nas mentiras”:

— Foi isso que alimentou a extrema-direita francesa por décadas — alfinetou. — Marine Le Pen utilizou sua conclusão para dizer mentiras, sem falar o que ela quer para o país.

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