segunda-feira, 8 de maio de 2017

Paris numa garrafa | Dora Kramer

- Revista Veja

“Se” a eleição fosse hoje é o tipo da premissa que conduz ao erro

Os dados das pesquisas de intenção de voto realizadas mais de um ano antes da eleição valem tanto quanto uma nota falsa de real, naquilo que interessa: a tradução do cenário em perspectiva com razoável precisão. São como se diz, um retrato do momento. E, como o momento de que tratam essas consultas está a quilômetros de distância, não retratam coisa alguma no tocante ao desenho do cenário futuro.

Isso em tempos de normalidade. No ambiente de conturbação vivido no Brasil, então, não há previsão feita com quinze minutos de antecedência que possa ser minimamente confiável. A política tem a natureza das nuvens, muda ao sabor dos ventos, e a política hoje no país da Lava-Jato faz movimentos mais radicais: vira de cabeça para baixo ao ritmo de frequentes tempestades.

De onde a premissa “se a eleição fosse hoje”, na qual se assentam as pesquisas sobre as preferencias do eleitorado, não quer dizer coisa alguma. No máximo, produz análises cujo equivoco mais adiante será exposto e seu conteúdo provavelmente desmentido pelos fatos. Nesse sentido mais desinforma que informa. A tendência do eleitorado em geral e de alguns especialistas em particular é “comprar” as pesquisas pelo valor absoluto, quando tais resultados são para lá de relativos.

O exemplo clássico: a liderança de Luiz Inácio da Silva com 31% de aprovação e 45% de rejeição, um partido em frangalhos políticos e financeiramente falando, cinco processos nas costas, fora diversos inquéritos por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico influência. Não dá para levar a sério. A menos que se imagine que o eleitor está (e/ou estará) de brincadeira. Pode-se perguntar o que faz, então, Lula naquele primeiro lugar. Elementar. Vale-se da fama, de um resquício de mítica, da resistência dos devotos incondicionais em dar o braço a torcer e da lama geral onde se cultiva a desesperança e cresce a descrença em que algo ou alguém possa vir a representar um horizonte de reconstrução de oportunidades e valores perdidos.

Tudo pode acontecer. E aqui não vale acrescentar “inclusive nada”, porque um abalo sísmico dessas proporções por si já produz um novo cenário. Não necessariamente bom nem forçosamente mau. Inútil tentar adivinhar o que está por vir. Mais inútil ainda é insistir em fazer no quadro atual uma bola de cristal. No tocante às investigações, condenações, prisões e delações em curso, ainda há léguas a percorrer antes de contabilizar mortos, feridos e sobreviventes.

Por menos, eleições anteriores foram definidas com poucos meses de antecedência: a de Fernando Collor, em 1989 a de Fernando Henrique em 1994, a de Lula em 2002. Em 2014, com todo o poder acumulado pelo PT, houve dança de favoritos durante toda a campanha. Quando se vive sob a égide do imprevisível, raciocínios por hipóteses são apenas pensamentos vãos. Convêm, portanto, a tentar ao provérbio francês segundo o qual com “se” qualquer um põe Paris numa garrafa.

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