quinta-feira, 11 de maio de 2017

Quem comanda o espetáculo | Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Acirramento prejudica justiça e pode favorecer réu

Romero Jucá anunciou encontro com sindicalistas, Aécio Neves comemorou avanço das reformas, Marina Silva reproduziu carta pública sobre retrocessos socioambientais, Jair Bolsonaro publicou vídeo em homenagem a um filósofo de direita, Moreira Franco comemorou a perspectiva de redução da inflação e João Doria anunciou a contratação de 200 guardas civis municipais.

Esta foi a movimentação, nas redes sociais, dos principais personagens da cena política nas horas que antecederam o interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro em Curitiba.

Entraram em jogo os capitães das duas maiores torcidas organizadas do país no papel de juiz e réu. O silêncio dos demais jogadores não poderia ter sido mais eloquente. Os desdobramentos da audiência de ontem serão determinantes para o futuro dos arrolados na Lava-Jato e para os rumos da sucessão presidencial de 2018.

Lula alimentou sua plateia com o discurso de que é vítima de um processo judicial que extrapolou o Estado de direito. Usou a mesma gravata com as cores da bandeira do Brasil e bebeu, no gargalo, uma garrafa de água mineral a cada meia hora de um repetitivo interrogatório.

Nos autos de seu baú já tem a condução coercitiva, o impedimento de sua posse no ministério, a quebra do sigilo telefônico de sua sucessora e decisões de primeira instância de juízes militantes do antipetismo como aquele que, esta semana, mandou fechar a sede de seu instituto. Formam um escudo sob o qual buscam se abrigar políticos de todos os naipes, sem o mesmo talento para o palco. Esperam contar, na partida, com o beneplácito de três ministros do Supremo Tribunal Federal.

Moro não gostaria mas foi obrigado a reconhecer, no vídeo em que pediu sua desmobilização, que tem torcida ruidosa. E se vale dela para enfrentar o desmonte da operação por ele liderada. Em palestra na véspera do interrogatório de ontem, Moro citou, nominalmente, os juízes com os quais espera conter a troica suprema: João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Felix Fischer, ministro do Superior Tribunal de Justiça, e Edson Fachin, ministro do STF.
Paranaenses como Moro (Fischer nasceu na Alemanha, mas foi criado no Estado), os três ministros são relatores da Lava-Jato em seus respectivos tribunais.

É nas mãos de Gebran, em grande parte, que estarão depositados os rumos da sucessão de 2018. Se sentenciado por Moro, Lula terá que ser condenado pelo TRF para ser excluído da disputa.

Ao falar dos juízes responsáveis por dar prosseguimento à Lava-jato, Moro mostrou que o momento sensível ao qual chegou a operação pesou sobre seus ombros. Lembrou que, ao ser informado da morte de Teori Zavascki, chamou-o de herói. Nesse momento, o gélido juiz parou a fala e desviou o rosto para o lado. O mediador tomou a palavra até que Moro se recompusesse. O juiz voltou a olhar para a plateia sem demonstrar emoção. Disse que houve quem considerasse o comentário sobre Teori exagerado, mas ele não arredava o pé de prestar homenagem à sua coragem.

Nessa fala às vésperas do depoimento de Lula, Moro fez prolongada defesa das prisões preventivas, alvo da hora no Supremo Tribunal Federal. Antecipou, naquela palestra, o argumento que usaria ontem no ofício, dirigido a Fachin, em que pede a manutenção da prisão preventiva de Antonio Palocci. Sustentou que o mensalão poderia ter antecipado os fatos surgidos na Lava-Jato se tivesse se valido de prisões provisórias.

O ex-ministro não é um preso qualquer. Já demonstrou interesse em colaborar com a operação e trazer personagens do mundo empresarial e financeiro que ainda não vieram à tona. A resistência de Moro à sua libertação foi respaldada pela decisão de Fachin de levar o habeas corpus ao plenário e confrontada pelo ministro Gilmar Mendes.

O juiz sinalizou que manter Palocci preso hoje é muito mais decisivo para o futuro da Lava-Jato do que decretar a prisão preventiva de Lula. Uma detenção do ex-presidente potencializaria o mais poderoso cabo eleitoral do PT como mártir e radicalizaria os antagonismos da torcida de Lula, que hoje lidera a corrida presidencial, com o juiz de Curitiba. É tudo o que Moro não precisa nesse momento, como deixou claro ontem ao ouvir, pacientemente, sucessivas interpelações do advogado de Lula e esclarecer, nas preliminares, ao ex-presidente: "Não tenho qualquer desavença pessoal com o senhor".

Ser identificado como motivador de ações radicalizadas país afora tira do juiz a condição de portador da serenidade necessária para conduzir um julgamento desse porte. É prato cheio para ministros do STF que se assenhoram do processo.

Em 2015, quando a operação ainda engatinhava, um grupo de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, da qual Moro se licenciou este ano, amarrou num poste boneco de pano vestido com uma camisa vermelha do sindicato dos professores municipais, e simulou espancamento sob os gritos de 'comunista'. A história não terminou aí. Foi no Paraná que surgiu a mais radicalizada ocupação de escolas pública. No 28 de abril deste ano, a capital teve uma das uma das maiores adesões à greve geral.

Foi por temer que essa radicalização se espraiasse que Moro apelou pela desmobilização. Sua torcida ficou restrita a outdoors em que Lula aparece em listras: "A república de Curitiba te aguarda de grades abertas".

Nos dias que antecederam o interrogatório, até a Boca Maldita, tradicional tribuna livre de Curitiba, se calou. Parece ter obedecido ao comando do seu mais famoso munícipe. A Moro só resta operar para baixar os ânimos no resto do país. Por isso se manteve infenso às provocações no depoimento de ontem.

O clima de acirramento que domina ruas e cortes superiores é desfavorável à justiça. Num caldeirão em que se mesclam acusações de perseguição judicial de réus e suspeição de parcialidade de juízes e promotores, só a política salva. E nesta, de uma vez por todas, quem comanda o espetáculo, não é o juiz, mas o réu.

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