quinta-feira, 29 de junho de 2017

A ameaça fiscal | Míriam Leitão

- O Globo

O risco fiscal ameaça o presidente Temer como aconteceu com a ex-presidente Dilma. Ele precisa de recursos políticos para tentar atrair a base, atendendo a pedidos e emendas. Ao mesmo tempo, o perigo de não cumprimento da meta já ronda o governo. Se ele usar bancos públicos ou os cofres em favor dos aliados, desandará a confiança na equipe, e ele se verá na mesma situação da sua antecessora.

Se Temer conseguir se segurar até o fim do ano, mas não cumprir a meta, estará igualmente encrencado. Se alguém do governo acha que é só mudar a meta com o apoio do Congresso, vale lembrar a recentíssima discussão sobre o tema. Meta é a que se estabelece a priori, e não a posteriori. No debate que levou à queda da presidente Dilma, o que ficou claro é que não vale o acerto de contas final que consagra como meta o fato consumado. Os partidos da então base se bateram pela tese de que a meta é a que o Congresso aprovou ao fim e, se ele alterou o número, é o que ficou valendo. Mas não foi esse o entendimento do Congresso que aprovou o impeachment. Usar o BNDES para oferecer bondades pode? Também não. Qualquer atraso aos bancos públicos será pedalada. Temer tem pouco espaço para atender aos pedidos da base.

O risco de não cumprimento da meta é real. Há muitas receitas extraordinárias no Orçamento. Elas demandam uma administração que consiga fazer leilões de concessão, rodadas de petróleo, ou mudanças tributárias para arrecadar mais.

O governo iniciou uma caça à receita para cobrir o rombo deixado pela queda da arrecadação em maio e, provavelmente, em junho. Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, falou em aumento de impostos. Uma das hipóteses é aumentar a Cide, imposto sobre gasolina e diesel, que tem outros apelos além de levar recursos aos cofres públicos. A indústria do etanol está pressionando para que se mantenha a competitividade do produto alternativo. Há também o apelo ambiental, porque a taxação sobre combustíveis fósseis é usada, em vários países, para estimular o produto menos poluente. A Cide foi eliminada pelo governo Dilma para tentar conter a inflação artificialmente. Qualquer aumento de imposto é antipático, mas a tributação sobre gasolina tem, ao menos, efeitos colaterais bons. Só que o valor a arrecadar em 2017 é pequeno, porque só valeria para alguns meses.

O governo terá que fazer novo balanço bimestral de receitas e despesas, em julho, para indicar como está a execução do Orçamento e informar que medidas pretende tomar para chegar ao resultado. A meta é de um déficit de R$ 139 bilhões e pelas contas da consultoria Tendências, mesmo com receitas extraordinárias, o déficit ficaria em R$ 148 bi.

O economista Fábio Klein, para chegar a esse resultado, acha que será possível conseguir receitas atípicas, que dependem de medidas legislativas, como a renegociação de dívidas e o fim de algumas desonerações. A janela para repatriação de recursos vai até 31 de julho e está com adesão muito mais baixa do que a primeira fase do programa, do ano passado, segundo a advogada tributarista Ana Claudia Akie Utumi. Fábio Klein prevê R$ 30 bi de arrecadação com esse projeto — o que pode ser difícil — e metade teria que ir para estados e municípios. O fim das desonerações não chega a ser receita extraordinária, porque seu efeito permanecerá nos anos vindouros. Só que precisa de aprovação do Congresso. Se passar, entrariam este ano R$ 7,5 bilhões.

Há pelo menos duas MPs (778 e 780) que tratam de programas de regularização tributária, os refis. Se aprovadas, conseguiriam entre R$ 10 bilhões a R$ 15 bi. Estão previstas também concessões de portos, aeroportos e campos de petróleo. O governo estima que conseguirá R$ 3 bilhões com venda de ativos e R$ 27 bilhões com concessões.

Como podem constatar os leitores, muita receita está no condicional e depende do Congresso. O governo estará focado agora em mobilizar a base parlamentar para barrar a denúncia do procurador-geral. Como terá tempo e condições de trabalhar para aprovar medidas complexas, algumas delas implicando em aumento de tributos, como a reoneração, e ainda fazer vendas de ativos e leilões de concessões? Temer pode barrar a denúncia e, depois, cair na mesma ruína fiscal que pegou a sua antecessora. A vantagem de Temer em relação à Dilma é a qualidade técnica da equipe, como a secretária do Tesouro.

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