sábado, 17 de junho de 2017

Falta de prudência | Míriam Leitão

- O Globo

O país está vivendo o risco de desorganização da cadeia produtiva da carne, desde o início da crise do JBS. Ele é grande demais no país. O próprio segmento está tentando se ajustar com reativação de frigoríficos. Há ameaças também para bancos credores. Mercado e BNDES erram juntos porque ambos defenderam as virtudes da “consolidação”, sem pensar nos riscos da concentração.
Setor de carnes sente os efeitos da política da concentração. 

Parecem sinônimos mas não são. Um setor excessivamente fragmentado pode ter ineficiências que uma consolidação elimine. Um setor concentrado demais aumenta o risco para consumidores, fornecedores, credores. A eliminação da competição leva a distorções. A consolidação só funciona se houver defesa da concorrência.

Não é por acaso que o Cade, Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, apareceu na lista de assuntos entre o empresário Joesley e o presidente Temer. Um Cade ineficiente e aparelhado é muito confortável para oligopólios e monopólios. Recentemente, o governo indicou dois diretores vistos com temores nos meios jurídicos porque não são da área e isso foi entendido como sinal de aparelhamento.

O BNDES de Luciano Coutinho achava necessário concentrar o setor de carne para o país se firmar no mundo. É preciso registrar que em 2005, data da primeira operação, o Brasil já era o maior exportador mundial, posto que perdeu nos anos seguintes. Hoje há risco concreto de crise no mercado interno exatamente pela concentração.

Em abril de 2013, Coutinho concedeu uma entrevista ao “Estado de S. Paulo” afirmando que a política de “promoção da competitividade de grandes empresas de expressão internacional” — como definiu a política de campeões nacionais — tinha se esgotado. Citou os segmentos de “petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia e suco de laranja” e disse: “Não enxergo outros com o mesmo potencial.” Ou seja, a política teria acabado não pelo reconhecimento dos erros, mas por falta de candidatos.

O escritório de advocacia Lobo & Ibeas — que na próxima semana fará seminários no Rio e em São Paulo para debater a legislação anticorrupção no Brasil e no mundo — enxerga riscos e lacunas no acordo de leniência fechado pelo Ministério Público com a empresa. Pelo acordo, o BNDES não terá que pagar parte multa. Mas a Lei de Combate à Corrupção, editada às pressas pelo governo Dilma em 2013 como resposta às manifestações de rua, diz que há, sim, responsabilidade das coligadas, quando se tem 10% ou mais de outra empresa.

Esse é o caso do BNDES. Segundo o MP, só o grupo controlador pagará a multa de R$ 10 bilhões, mas, pela lei, o BNDES fica na absurda situação de ter que pagar parte do valor. Um problema da holding J&F, diz o advogado Pedro Paulo Cristofaro, é que as empresas boas do grupo podem ser contestadas judicialmente para ajudar nesse pagamento.

— Não está claro qual é a responsabilidade das coligadas. Esse é um passivo jurídico não contabilizado para as empresas boas do grupo. Mesmo que se coloquem cláusulas de indenização na venda, pode haver contestação na Justiça — explicou.

O setor de carne tem vivido sob o fantasma da desorganização, pelo tamanho do JBS. Inúmeros frigoríficos haviam suspendido suas atividades pelo poder de mercado excessivo que o JBS passou a deter a partir da política de campeões. O “Estado” informou que um grupo de pecuaristas está se organizando no Mato Grosso para reativar 15 dos 22 frigoríficos fechados durante o processo de concentração.

Há outros riscos desse poder excessivo que o JBS conquistou com o incentivo do governo e o dinheiro público. O acordo de leniência não é o fim dos passivos para o grupo. A empresa pode ser processada no exterior — a lei americana Foreign Corrupt Practices Act é de 1977 e estabelece que todas as informações pedidas têm que ser enviadas — e obrigada a ressarcir danos. Bancos podem exigir pagamento imediato de dívidas futuras alegando que ela prestou informações falsas.

Muitas ameaças pairam sobre a empresa que domina o mercado brasileiro de carne, e a esse risco estão expostos o BNDES, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco. A defesa da concorrência é também uma decisão prudencial que faltou no caso JBS.

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