segunda-feira, 5 de junho de 2017

Incertezas fiscais | Cida Damasco

- O Estado de S.Paulo

Com o governo cada vez mais frágil, cresce a pressão sobre as contas públicas

Não faz tanto tempo assim que o mantra dentro do governo era “tudo pelo ajuste fiscal”. Parece que isso ficou para trás, na memória apenas de quem tem o encargo cada vez mais duro de segurar os gastos públicos. O mantra agora, mesmo não explicitado, é “tudo pela sobrevivência do governo”, o que, de um jeito ou de outro, acaba contrariando o anterior. É indiscutível que o ambiente político determina esse comportamento, num governo que inicia esta semana sob ameaça de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cuja principal sustentação, no momento, é a falta de alternativa para sua sucessão. Mas o ambiente econômico também dá força a esses movimentos. Apesar dos festejos do Planalto pela apresentação do primeiro número positivo do PIB, depois de dois longos anos, ficou claro que ainda não há motor potente para disseminar o crescimento – por enquanto, circunscrito à cadeia do agronegócio – e para torná-lo firme e duradouro.

Nesse cenário, as manifestações dos variados setores tornam-se cada vez mais estridentes. Mercados querem porque querem as reformas ou, melhor dizendo, alguma reforma da Previdência, seja lá qual for seu tamanho, para impedir a debandada de investidores. Empresários vocalizam seu interesse pelas reformas, em nome da sustentabilidade da economia e de seus negócios. Mas, a curto prazo, gostariam também de algum aditivo para fortalecer a reanimação da atividade econômica, via, por exemplo, um BNDES mais amigável. Quanto aos parlamentares, nas mãos de quem se concentra o destino das reformas, esses perseguem o de sempre – atender aos interesses particulares das suas bases, muitas vezes incompatíveis com o interesse geral. Leia-se dinheiro na veia.

Tudo indica que Temer, mesmo que escape da degola do TSE e vá em frente, continuará sem condições de rechaçar pressões que resultam em aumento de gastos e redução de receitas. Nos últimos dias, enquanto crescia a tensão pré-TSE e aumentava o cerco da Procuradoria-Geral da República a Temer, o Planalto e a base parlamentar tentavam tocar em frente sua pauta econômica – até como efeito-demonstração de que o País não parou, como o presidente vem repetindo.

As reformas, como se imaginava, estão em banho-maria. Mas passou, nesse embalo, a MP que autoriza reajustes salariais para diversas categorias de servidores federais, entre eles auditores fiscais da Receita e do trabalho, e diplomatas. E chegou ao Congresso a MP do novo Refis para pessoas físicas e empresas, mais “generoso” do que os anteriores, que garante um prazo máximo de pagamento de 180 meses, descontos de até 90% dos juros e 50% da multa. Com o Refis da vez, a equipe econômica fala em arrecadar mais de R$ 10 bilhões neste ano, mas admite a hipótese de perda fiscal em 2019. Na mesma linha, já havia sido concedida uma “quase anistia” nas dívidas de Prefeituras com o INSS – a MP assinada em maio estica de 60 para 200 meses o prazo para que os municípios acertem seus débitos, hoje na marca dos R$ 75 bilhões.

Quem acompanha de perto a contabilidade do governo acha difícil atingir as metas do ano. Segundo as expectativas do mercado, registradas pelo Prisma Fiscal de maio, o déficit esperado para o fechamento de 2017 é de R$ 148 bilhões, exatos R$ 9 bilhões acima do fixado pelo governo. E essas expectativas tendem a continuar descoladas dos números oficiais, tanto pelo lado da receita como das despesas. A atividade econômica ainda não deslanchou o suficiente para justificar um reforço substancial na arrecadação e tudo fica na dependência das receitas extraordinárias e dos programas de concessão, que mesmo bem sucedidos, por enquanto vão apenas pingar dinheiro nos cofres públicos.

Quanto à redução de despesas, já dá para ver que a realidade trabalha na direção oposta, É verdade que um corte de gastos pesado só faria interromper a ainda frágil trajetória da retomada. A questão central, contudo, é qualificar esse gasto.

Em outras palavras, não é pôr dinheiro na praça obedecendo à lógica do “quem grita mais leva”, que dominou, por exemplo, o controvertido programa de desonerações. Mas é pôr dinheiro onde é preciso para que a economia ande agora – e continue a andar, evitando tropeços.

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