sexta-feira, 16 de junho de 2017

Labirinto tucano | César Felício

- Valor Econômico

Jogo do PSDB é pouco claro, mas não é favorável a Temer

Coube ao PSDB dar a melhor notícia para o governo ao longo da semana e também a pior. Entre a reunião da Executiva ampliada, quando o governador Geraldo Alckmin aparentemente fez valer seu ponto de vista de segurar a mão de Michel Temer, e a nota em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pede para que o partido atire o presidente no abismo passaram-se menos de 72 horas. Neste intervalo, em entrevistas publicadas ontem, o presidente interino da sigla, Tasso Jereissati (CE), se disse voto vencido na reunião da segunda.

É quase inevitável a conclusão de que o jogo eleitoral de 2018 amplificou a divisão do partido. Nas entrelinhas, tanto Fernando Henrique quanto Tasso criticaram Alckmin. Atribuem a ele, de forma subliminar, a movida do início da semana. Fernando Henrique advertiu que "ou se pensa nos passos seguintes em termos nacionais e não partidários nem personalistas ou iremos às cegas para o desconhecido".

Em tom mais moderado, Tasso afirmou ao "O Globo" que o cálculo das alianças eleitorais pode ter pesado e ponderou: "quem estiver pensando em aliança para 2018 está vivendo um delírio".

No enredo tucano dos últimos dias, Alckmin foi protagonista e Doria caudatário. A cronologia é importante: as denúncias envolvendo Temer e o JBS estouraram no dia 17 de maio, ocasião em que o prefeito de São Paulo João Doria e Alckmin confraternizavam em Nova York. Os primeiros sinais enviados pelo PSDB paulista foram voltados contra Aécio Neves, até então presidente da sigla, posto do qual se licenciou assim que o STF determinou seu afastamento do mandato de senador. Com a morte civil de Aécio, a candidatura do partido no próximo ano ficou nas mãos do PSDB paulista, mais especificamente entre o prefeito e o governador.

Surgiu com força a discussão de afastamento de Temer e da eleição presidencial indireta e dois nomes despontaram dentro do PSDB: o do presidente interino Tasso Jereissati e o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Dois caciques tucanos que em 2006 de tudo fizeram para que Alckmin não prevalecesse como o candidato do partido a presidente da República, como acabou acontecendo.

O PSDB paulista começou então seu jogo próprio. Aliados incondicionais do governador convocaram uma reunião para formalizar um rompimento de São Paulo com o Planalto. Três dias antes Temer viajou ao encontro de Alckmin e governador e prefeito passaram a sinalizar que a ruptura não era conveniente.

Desenhou-se um pacote de vantagens apresentados pelos aliados mais próximos do presidente: caso Temer se segurasse no cargo, o candidato tucano levaria como dote a aliança com o PMDB e o DEM nas eleições presidenciais de 2018.

O PSDB é incoerente, mas Alckmin não é: o governador paulista era contra o impeachment de Dilma, é também contra o afastamento de Temer, o cozido que ele prepara só fica pronto em 2018 e o governador parece acreditar em elementos tradicionais do jogo político: a fatia de que disporá no horário eleitoral gratuito, o exército de governadores, deputados e senadores que podem mover máquinas, a sustentação tácita a um governo impopular disposto a trabalhar duro pela aprovação de reformas que tiram votos no palanque.

As mais recentes posições dos mutantes Tasso Jereissati e Fernando Henrique apontam em outra direção: a de que, mesmo com as ruas vazias, algo move o humor popular, em direção radicalmente contrária a qualquer pacto com o PMDB. Manter o apoio, nesta leitura, é embarcar em uma estratégia para 2018 com as premissas erradas. Por este raciocínio, nada mais será como antes e de pouco valerá um latifúndio no horário eleitoral gratuito se os tucanos estiveram encadeados a um governo que pode se tornar alvo de algo mais grave do que simplesmente ser impopular, que é o repúdio da sociedade.

Como é pouco provável que tanto FHC quanto Tasso ou qualquer outro tucano consiga maioria em um eventual colégio eleitoral, o jogo de ambos é muito mais complexo. A carta de Fernando Henrique pede a Temer "um gesto de grandeza" e afirma que ele tem o poder de pedir antecipação de eleições gerais, o que é controverso. É um acordo que envolve direitos difusos.

Fica a dúvida se é uma proposta mesmo, algo dentro do que seria um grande acordo nacional para a virada de página, e neste sentido precisaria envolver um conjunto de forças maior, entre elas o próprio Judiciário, cada vez mais um arquipélago de onze ilhas, sem muita conexão entre si. Precisaria ainda envolver o próprio Alckmin, que teria que subverter o cronograma com que sempre trabalhou. A saída final do labirinto tucano ainda é desconhecida, mas é certo que o PSDB recolocou a discussão sobre a permanência de Temer.

"Tudo que a gente fazia, que era normal, agora está tudo errado", exclamou, perplexo, com seu português claudicante, Joesley Batista ao seu interlocutor, na gravação que realizava e que iria subsidiar semanas mais tarde a sua delação premiada na Procuradoria Geral da República. Mudam-se os usos, mudam-se os costumes, para a consternação dos arquitetos do casamento entre o poder empresarial e o poder político nas últimas décadas.

O áudio de 35 minutos em que Joesley e o senador Aécio Neves (MG) teceram considerações sobre a crise nacional já é em linhas gerais bem conhecido, mas merece ser ouvido de quando em quando porque joga luz sobre o tempo presente. Os detalhes são informativos.

Ao conversar com Joesley Aécio só tratava de ajuda a si próprio, mas ao se referir na conversa ao teor do que poderia ser a delação do grupo Odebrecht Aécio deixa claro que trabalhou para todo um grupo político.

O presidente de uma sigla em geral é um articulador de doações, ele exerce seu mando não apenas organizando as alianças nacionais e regionais, mas dando ossatura às candidaturas. Passa por ele o controle dos livros, das atas e do caixa. Não há registro na história brasileira de partido que tenha expulsado um dirigente máximo de seus quadros. Quando muito, em casos como de Luis Carlos Prestes há 37 anos, o dirigente pede para sair quando cai em desgraça. O constrangimento no PSDB não é menor que o de qualquer outro partido que atravessa vicissitudes.

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