quarta-feira, 21 de junho de 2017

Lista de Um | Rosângela Bittar

- Valor Econômico

Constituição 'teórica' não precisa ser cumprida

O ministro Torquato Jardim, da Justiça, procurado pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, esta semana, disse-lhe que o presidente Michel Temer até poderá, eventualmente, ater-se à lista tríplice que a ANPR lhe enviará para escolha do novo procurador-geral da República que vai substituir Rodrigo Janot, mas não se vinculará, obrigatoriamente, ao primeiro da lista, como lhe está sendo exigido.

"É mérito. Se são três, a diferença é aritmética, mas o mérito é igual. Diria mais: como sou ex-aluno e ex-professor de muitos procuradores da República, faço uma lista de 30, 40 ou 50 nomes com experiência de casa e vivência para serem procuradores-gerais", comentou o ministro, ontem, em conversa após entrevista exclusiva ao Valor.

Robalinho ficou de voltar ao governo na próxima semana para discutir novamente essa nomeação, uma missão que lhe foi atribuída pelos candidatos. São oito, e só entre os filiados à ANPR, uma espécie de sindicato mais forte da categoria. Vão escolher três, por votação, mas exigem que o presidente da República nomeie o primeiro da lista.

A associação é vista como uma parte do todo, que filia apenas um terço dos procuradores, mas não admite concorrência na disputa do cargo máximo. Quer ter autonomia total, inclusive para "nomear" o procurador-geral que o presidente da República tem a atribuição de nomear.

Quando o novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, chegou ao cargo, há três semanas, já encontrou uma discussão entre os outros ramos do Ministério Público da União sobre as razões pelas quais não poderia ser um deles o procurador-geral da República. Queriam, e ainda querem, ter o direito de também disputar o cargo.

Com o dispositivo constitucional que dá prerrogativa ao presidente da República de escolher livremente, em lista ou fora de lista, entre os procuradores em geral o procurador-geral, Torquato não viu por que não, e provocou, com a ideia de promover a união, uma reação corporativa da ANPR.

No ambiente do último debate entre os oito candidatos da ANPR, no Rio, Robalinho criou, na sua argumentação para defender o poder dos procuradores da sua associação e a escolha do primeiro da lista, umas figuras jurídicas conhecidas no seu meio.

Inventou a "Constituição teórica" (deve haver uma Constituição prática) para exigir que, embora a Constituição faculte ao presidente da República escolher qualquer um para ser o procurador-geral da República, até num nome que não esteja na lista, quem deve ser escolhido é o primeiro mais votado da lista tríplice.

Por que razões? Porque é assim há tempos, porque Temer já disse a alguém que seguiria a praxe, porque o que está na Constituição é uma possibilidade, não uma obrigação.

Sendo assim, inclusive, por que não uma lista de um? Seria suficiente apenas o primeiro nome, o mais votado, e estaria liquidada a escolha do procurador-geral por uma pequena parte - um terço - da parte do Ministério Público filiado à ANPR.

O argumento do líder dessa parte da corporação, de que é "meramente teórica" a possibilidade de escolha fora da lista, não causou estranheza ao ministro da Justiça. Segundo Torquato, o direito, em geral, mas a Constituição, em particular, tem três partes: "A letra da lei, o espirito da lei e a prática da lei".

Ele explica: na letra, o presidente é livre para escolher. No espírito, parece haver uma flexibilização de convivência institucional; e a prática que o presidente Michel Temer herda dos antecessores é escolher o primeiro da lista".

O presidente Temer não se comprometeu com isso, não fez promessas aos candidatos, não está acompanhando a guerra interna entre eles, inclusive com ataques que tentam minar a vantagem de quem imaginam ser os preferidos do rei.

O presidente da associação só ouviu possibilidades, até o momento, de o presidente ficar com alguém da lista, mas não se comprometeu com o primeiro lugar. Segundo Jardim, Robalinho voltará ao Ministério da Justiça semana que vem. "E diálogo não faltará".

Pé lá e cá
O empresário Joesley Batista está no Brasil e poderá ficar bem mais tempo do que seria esperado para o suposto objetivo de seu retorno: como delator foi convidado a refazer depoimentos, acrescentar informações, explicar incongruências e anexar provas para dar densidade à investigação da Polícia Federal e à denúncia do Ministério Público contra o presidente Michel Temer.

Advogados com trânsito no Supremo mencionam novos áudios liberados na investigação do crime de corrupção passiva, enquanto os agentes seguem procurando concluir o trabalho sobre os crimes de lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.

A PF conduz, neste momento, 473 operações, sendo essa, seguramente, a principal. Foi a ela que Joesley veio trazer complementos, de forma que fique consistente para que o procurador-geral possa oferecer uma denúncia menos rasa ao STF. Do que mais se sente falta é de perícia da fita de gravação da conversa do empresário com o presidente da República, que originou todo o processo.

O principal indício de que a estadia de Joesley deve se prolongar é simplesmente um procedimento rotineiro na vida de um pai de família: contatos para escolha de vagas e matrícula em colégio para crianças, a partir do segundo semestre deste ano letivo, em São Paulo.

Flancos
A falta de conclusão da perícia da fita está sendo considerada, também, uma lacuna para o trabalho do Supremo Tribunal Federal, se levar ao pé da letra o enunciado da discussão que travará nesta tarde. A dúvida: como discutir se vale ou não vale a homologação de uma delação lastreada em prova construída a partir de uma fita não periciada que está sendo contestada pelo presidente da República, o acusado? Impressiona a quantidade de flancos abertos na Promotoria e no Judiciário.

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