segunda-feira, 26 de junho de 2017

Mudando o time | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Jogo no STF não será o jogado no TSE. E Fachin não é Zavascki

Rodrigo Janot deve estar experimentando uma situação de déjà vu. O procurador-geral da República volta a se defrontar com adversários poderosos. A natureza do conflito é análoga a que viveu dois anos atrás. Naquela oportunidade, Rodrigo Janot enfrentou Eduardo Cunha. Perdeu. O adversário, hoje, é Michel Temer.

Em agosto de 2015, Janot protocolou denúncia contra o então presidente da Câmara e, a partir de então, empenhou-se em afastar o deputado da cena política. Cunha reagiu rompendo com o governo e ofereceu seus préstimos à oposição, usando o impedimento da presidente Dilma como tábua de salvação.

Entre agosto e dezembro, enquanto aguardava uma decisão do ministro Teori Zavascki, a denúncia contra o parlamentar permaneceu aberta à consulta dos cidadãos. A peça montada por Janot não deixava qualquer dúvida sobre o caráter e a integridade do parlamentar. As provas reunidas são avassaladoras. Cópias de cheques, registros de reuniões, transcrições de conversas, está tudo lá. Não faltaram elementos para formar convicções e juízos.

Teori Zavascki, contudo, deixou o tempo passar sem se manifestar. Aparentemente, o uso da ameaça contra a presidente o paralisou. O juiz não quis passar por defensor de Dilma. A crise se avolumou e ganhou ritmo frenético.

No início de dezembro, o PT rompeu negociações com Cunha e declarou que votaria por sua condenação na Comissão de Ética. Cunha mostrou que não estava blefando. No dia seguinte, acatou o pedido de impedimento da presidente, à espera da sua decisão havia meses. A pressa do deputado se evidencia na marcha forçada que impôs à tramitação do processo, atropelando prazos e procedimentos.

Em 16 de dezembro, Rodrigo Janot voltou à carga. Com base nos documentos levantados pela Operação Catilinárias, solicitou o afastamento do deputado do seu cargo. A leitura do documento é estarrecedora. Não faltam provas da sem-cerimônia com que o deputado se valia da Câmara para fazer dinheiro e barrar investigações. Um dos pontos altos da peça são as evidências da venda sistemática de emendas a medidas provisórias. Os relatos sobre o conflito com o grupo Schahin, após o rompimento da barragem de Apertadinho, vão da extorsão às repetidas ameaças de morte e são exemplares dos métodos empregados por Cunha.

As revelações contidas no pedido de afastamento foram solenemente ignoradas pela "opinião pública esclarecida". Houve quem a classificasse de insuficiente e apressada. Teori Zavascki, uma vez mais, protelou sua decisão.

Em 2015, Janot perdeu a disputa. As forças políticas relevantes já haviam definido seu lado. Livrar-se de Dilma virara a prioridade número um. Teori Zavascki agiu apenas após o desfecho do impeachment, afastando o presidente da Câmara de suas funções quando Inês já era morta.

Eduardo Cunha foi o grande líder do processo de impeachment. Quem se dispôs a marchar sob seu comando não poderia alegar desconhecimento do caráter e das intenções do líder da operação.

Não faltaram justificativas. Cunha seria o líder descartável de uma ação necessária e responsável: livrar o país do desgoverno gerado pelas seguidas administrações petistas.

Difícil saber quem acreditou e quem somente fingiu acreditar que seria assim. Seja como for, para que esta crença fosse consistente, era também necessário acreditar que Michel Temer pouco ou nada tinha a ver com Eduardo Cunha, que este fosse companhia fortuita, do qual o vice-presidente se livraria após assumir o poder.

A conversa na garagem do Palácio Jaburu mostra que estas relações não eram e não são circunstanciais. Os vínculos são profundos e duradouros. As evidências estão aí para quem quiser vê-las.

Na entrevista que concedeu à revista "Época", Joesley Batista indica que participou da operação montada por Cunha e Temer para afastar Dilma. Apostou na mudança de governo como uma forma de "abafar" rapidamente a Lava-Jato, razão pela qual a ajuda de custo à família Cunha seria breve, pois "ele estaria solto logo, logo."

A decisão de delatar, diz Joesley, não é fácil: "Um processo de delação é algo muito forte, é muito doído. Corruptos ou não, convivi com essas pessoas que denunciei. Jantaram na minha casa. Eu conheci as esposas, os maridos. Chamava todos de amigos - e era de verdade."

Amigos, vale notar, que estavam espalhados indistintamente pelos três grandes partidos: PT, PMDB e PSDB. Delatar, explica o empresário, significa que "você troca de time", que "você começa a enxergar com os olhos do outro time." Obviamente, Joesley não "trocou de time" porque se converteu em um paladino da moralidade e dos bons costumes. Traiu os velhos amigos porque se deu conta de que o investimento feito não traria os frutos esperados, que havia se tornado um eterno "refém de presidiários".

Há ainda quem veja a situação como um torcedor apaixonado, como uma disputa entre o seu time do coração e o do adversário. Não faltam os dispostos a recorrer a malabarismos para salvar os amigos de tantos anos. Sempre é possível achar um argumento, apelar à responsabilidade política e a valores elevados, como a defesa do Estado de Direito.

O novo conflito se arma, os novos times se formam. Por isto mesmo, na quinta-feira, provocado por Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso achou por bem avisar o colega: "Todos sabemos o caminho que isso vai tomar, e, portanto, já estou me posicionando antes. Sou contra o que se quer fazer aqui lá na frente. Então eu não quero que se faça lá na frente. Já estou dizendo agora que não aceito." Em outras palavras: o jogo no STF não será o mesmo jogado no TSE. E mais: Fachin não é Zavascki.

Ao soltar as gravações do diálogo entre o presidente e o empresário, Rodrigo Janot abriu nova disputa. Desta feita, o competidor é mais graúdo, mas tem menos a oferecer para segurar seu cargo. Quem sobreviver verá.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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