quinta-feira, 1 de junho de 2017

O fim próximo | Merval Pereira

- O Globo

O foro por prerrogativa de função, popularmente conhecido como foro privilegiado, da maneira ampla como existe hoje, está com os dias contados. Bastou que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocasse na pauta de ontem a proposta de restringir o seu alcance para os parlamentares, para que o Senado votasse em segundo turno uma emenda constitucional mais ampla, acabando com o foro privilegiado em todos os casos, com exceção dos presidentes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

O foro privilegiado foi tão generosamente distribuído ao longo dos anos a partir da Constituição de 1988 que ninguém sabe ao certo quantas são as autoridades protegidas por ele.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF, estimou ontem em seu voto que são 37 mil funcionários públicos os beneficiados. O caso concreto que está sendo analisado — o julgamento continuará hoje no STF — envolve o atual prefeito de Cabo Frio, Marcos da Rocha Mendes.

Pela proposta de Barroso, detentores do benefício devem responder a processos criminais no Supremo somente se os fatos ocorrerem durante o mandato e em função do mandato, o que não seria o caso de Mendes. Nem também de Rocha Loures, pois carregar uma mala cheia de dinheiro proveniente de propina não deveria ser tarefa de um deputado federal.

Se a posição de Barroso prevalecer ao final do julgamento, a decisão terá efeito generalizado. Barroso calculou que apenas 10% dos processos envolvendo parlamentares permaneceriam no STF, os demais desceriam para a primeira instância, resolvendo assim não apenas uma questão ética como também administrativa. O volume de processos, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está se tornando insustentável pela sobrecarga de casos policiais num tribunal que não está preparado.

O ministro Luís Roberto Barroso afirmou em seu voto que o fato de se considerar obstrução de Justiça a nomeação de um investigado para um cargo com foro privilegiado, como já aconteceu com o ex-presidente Lula e, agora, com o ex-assessor de Temer Rocha Loures, é sinal claro da “falência” do modelo atual. “Não é preciso falar mais nada.”

A ineficiência do STF para julgar casos criminais, que resulta em prescrição da maioria dos casos e percepção de impunidade por parte da sociedade brasileira, foi citada também pelo ministro Barroso, o que mais uma vez irritou o ministro Gilmar Mendes, que contestou os dados citados por Barroso com base em estudos da Fundação Getulio Vargas do Rio e do próprio Supremo.

Luís Roberto Barroso faz duras críticas ao foro privilegiado: “O sistema é ruim, funciona mal, traz desprestígio para o STF e traz impunidade”. O ministro cita que duas em cada três ações penais sequer têm o mérito apreciado pelo Supremo. Gilmar Mendes o interrompeu para dizer que o problema não é só do Supremo, mas, sobretudo, na primeira instância da Justiça em todo o país.

A tese de que o foro, da maneira como é usado, protege os políticos de forma indevida, e não o cargo que eles ocupam, foi defendida tanto por Barroso quanto pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O projeto de emenda constitucional (PEC) que foi votado em segundo turno no Senado e encaminhado para a Câmara é uma versão ampliada do que o Supremo está discutindo, mas o julgamento do STF pode interferir na atuação da Câmara.

O relator no Senado, Randolfe Rodrigues, acha que diante da probabilidade de a proposta do ministro Luís Roberto Barroso prevalecer no plenário do Supremo, a Câmara deveria ser interessada em definir a PEC, pois é esta que prevalecerá sobre a decisão do STF, que é apenas uma interpretação nova do texto constitucional.

O projeto do Senado sofreu uma modificação ontem, e agora inclui a possibilidade de a Casa do parlamentar preso na primeira instância (Câmara ou Senado) relaxar a prisão. Mas o processo continuará na primeira instância.

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