segunda-feira, 19 de junho de 2017

Temer na UTI | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Reformas nunca foram compromisso real do presidente

O governo Temer permanece na UTI. A elite política brasileira, incluindo o PT e o PSDB, não sabe o que fazer com a batata quente que tem nas mãos.

A sobrevida de Temer não vem sem consequências. Parte delas já está aí para quem quer ver. Um exemplo apenas: a convocação do novo presidente do BNDES para a reunião de Temer com os governadores. O apoio político envolve um comprometimento menor com a austeridade e as reformas. A versão Temer da Nova Matriz Econômica ganha corpo.

O interessante é que o "mercado", a se crer no que escreveram os colunistas econômicos ao longo da semana, finge não ver a enrascada. A reforma da previdência, inadiável tempos atrás para salvar o Brasil do descontrole das contas públicas, agora pode esperar. Bastaria um "tapinha" e, se nem isto for possível, 2018 está na esquina. O bicho papão já não parece tão assustador.

A indignação cedeu lugar à resignação e às dúvidas, expostas de forma exemplar pelas idas e vindas do PSDB. Quanto mais seus líderes concedem entrevistas para esclarecer a posição do partido, mais difícil fica entender o que pensam e o que querem. Afinal, apoiam ou não o governo? Como não conseguem chegar a uma decisão, não casam nem rompem o noivado, e vão "ficando" com o governo.

Geraldo Alckmin, em entrevista recente, como se não tivesse que explicar as denúncias da Odebrecht, posou de estadista, afirmando que o compromisso maior do partido deve ser com a coisa pública. Hoje, disse, a responsabilidade política exige o apoio ao governo. Pensasse apenas nas eleições e em sua sobrevivência política, explicou o governador, o PSDB abandonaria o governo à própria sorte, comprometendo as reformas. Reformas? Quais reformas?

Responde o líder: "Temos que agir com espírito público e ele nos orienta a terminar a reforma trabalhista." Adiante, explicou melhor sua posição: "Nosso compromisso é com a retomada do crescimento e do emprego e renda. Para isso, há necessidade de fazer reformas. Precisamos valorizar a reforma trabalhista, que é histórica."

A reforma trabalhista passou a ocupar o lugar antes reservado à previdenciária, que mereceu um mero "importante para o país" e o reconhecimento de que sua aprovação é improvável.
A salvação do Brasil, o compromisso com o interesse público e a responsabilidade política, como se vê, permitem piruetas e acrobacias. Esquece-se facilmente o que ontem era essencial. A reforma trabalhista que nem era mencionada, ganhou fumos de histórica. Engana-se quem quer se enganar, como se enganaram os que acharam que apoiar a elevação de Temer à presidência era prova de responsabilidade política.

Temer não foi guindado à presidência por seus compromissos com a reforma da previdência. Muito menos, por sua repulsa à malversação dos recursos públicos para fins eleitorais e pessoais.

Os motivos de Temer e dos que o cercam foram explicitados pelas conversas entre Romero Jucá e Sergio Machado: com Dilma não haveria mais salvação. Sem ela, sob a liderança de Temer, com esforço e, vale lembrar, bons contatos no STF, tudo poderia ser arranjado.

Temer, pelo que as investigações têm revelado, não é um novo "presidente acidental". Rompeu com Dilma e assumiu sua candidatura porque tinha que escolher entre a faixa presidencial no peito e a corda no pescoço. O seu grupo a as suas atividades estavam na linha de fogo. Joesley Batista redesenhou o famoso slide de Deltan Dallagnol colocando o atual presidente no centro da organização criminosa.

O compromisso do presidente é com a própria pele e a de seu círculo íntimo. Tome-se como exemplo o que fez para proteger Moreira Franco, seu velho camarada: concedeu status de Ministério à Secretária-Geral da Presidência da República, editando para tanto a Medida Provisória 768, sob a justificativa de quer o status ministerial visaria "aprimorar o alinhamento estratégico necessário para que os esforços do Governo em implementar medidas para a retomada do crescimento sejam traduzidos em políticas públicas eficientes." Quem, em sã consciência, pode acreditar que o status funcional de Moreira Franco teria este condão mágico?

A manobra não garantiu o foro privilegiado ao amigo, pois, paralisado pela crise, o Congresso não deu mostras de que aprovaria em tempo a Medida Provisória que, não sendo aprovada, seria tida como rejeitada, com o que Moreira Franco perderia o status ministerial.

O que fez o Presidente? Editou a Medida Provisória 782, revogando a 768 antes de sua expiração. Para não dar na vista, revogou junto outras tantas medidas sob a alegação de que haveria "premente necessidade de racionalizar a estrutura da Presidência da República e dos ministérios", o que foi feito, recriando todos os ministérios tal qual existiam antes da edição da medida.

Ao que tudo indica, só o Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) se deu conta e se incomodou com o truque do presidente. Sua interpelação ao Supremo, que, em ocasiões anteriores, fulminou tentativas análogas em minutos, foi relegada ao esquecimento pela Alta Corte e pela opinião pública. Ninguém mais liga. Ou melhor, importar-se com este tipo de detalhe é querer comprometer a retomada do crescimento, a racionalização administrativa e a histórica reforma trabalhista.

A chicana legal a que o Presidente recorreu para salvar o amigo evidencia de maneira clara o que está disposto a fazer para salvar a si e a seu grupo. São estes os compromissos que o levaram à presidência, os mesmos que o fazem a trabalhar até tarde da noite, recebendo empresários fora da agenda e pela porta dos fundos.

Acredita que o presidente e seu grupo têm compromissos com reformas, quaisquer que sejam, quem quer se enganar. O governo Temer continua na UTI. Há quem defenda que o médico responsável deveria mandá-lo para o quarto. Com sorte, a medida salva o doente. Mas só o doente e ninguém mais.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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