quarta-feira, 14 de junho de 2017

Valor presente | Míriam Leitão

- O Globo

O que o Brasil tem no momento é um governo acuado que tentará na economia procurar algum capital para se fortalecer politicamente. Se fizer isso, será outro erro porque a economia ainda anêmica anda precisando, ela mesma, de força para dar novos passos na recuperação. Na economia existe o fenômeno que antecipa os eventos, e esse é o risco no momento atual.

O pacote de bondades que o presidente Temer pensa em usar para se fortalecer pode ser visto como abandono do esforço para reduzir o desastre fiscal do Brasil. Se isso ocorrer, a possível piora futura da política fiscal será trazida a valor presente e terá efeito agora. É assim que acontece na economia.

Atualizar a tabela do imposto de renda é justo porque, como todos os pagadores de impostos já entenderam, quando ela não é corrigida há, na prática, um aumento de tributos. Mas se o governo adotar a medida dentro do esforço para se manter politicamente isso vai piorar as expectativas. A mesma coisa acontece com o aumento do Bolsa Família ou uma renegociação generosa das dívidas dos estados com o BNDES. Outra decisão será a de permitir a securitização das dívidas dos contribuintes que foram renegociadas e parceladas nos estados. Dependendo da forma como for desenhada, será o caminho mais curto para piorar a médio prazo a situação fiscal. O estado venderá o que tem a receber no futuro, mas dando um desconto.

Os indicadores da economia estão oscilando. Ora sai um ruim, ora sai um bom, como ontem. As vendas do comércio de abril surpreenderam economistas e consultorias. As estimativas eram de queda, e houve alta de 1% sobre o mês anterior. O Itaú Unibanco explicou que houve crescimento forte do setor de supermercados, que tem oscilado bastante, mês a mês. Sozinho, esse segmento representou 0,4 ponto de alta. Mas também afirmou que a queda da inflação está tendo impacto positivo sobre a renda, e houve os efeitos da liberação do crédito do FGTS sobre o consumo. O Bradesco, após o resultado, continuou prevendo retração no PIB do segundo trimestre, mas revisou o número de -0,4% para -0,3%.

A grande questão para o comércio, diz o Itaú, será a estabilização ou não do mercado de trabalho no segundo semestre. Para a consultoria Rosenberg Associados, houve sinais positivos. A expectativa é que a inflação baixa continue ajudando na recuperação da renda e haverá também um estímulo maior do crédito, como consequência da redução da taxa Selic pelo Banco Central. A projeção para o ano é de alta do varejo de 1%, segundo a Rosenberg, interrompendo dois anos seguidos de queda, quando o setor acumulou perda de 10,3%.

O grande drama continua sendo o desemprego altíssimo e que só vai cair quando houver muito mais confiança de que a recuperação será sustentada e não episódios isolados ou soluços. O problema é que a confiança só retornará quando houver um quadro político mais previsível, o que não acontecerá tão cedo, e se o governo não quiser tirar da economia as cartas para aumentar seu cacife na política.

O governo Temer está agora orbitando em torno de si mesmo: trabalhará para se manter no poder e não para administrar as graves questões que o país tem que enfrentar. Ele passou pelo julgamento do TSE, deixando sequelas institucionais no país, e conseguiu manter o PSDB na base, deixando o partido dividido. Agora terá que enfrentar todas as outras batalhas e as surpresas que ocorrerem. Se for denunciado pela Procuradoria-Geral da República, terá que mobilizar pelo menos um terço dos deputados que, em votação nominal, terão que defender seu mandato.

Na situação em que está, o objetivo principal da administração passa a ser se manter no poder. Foi exatamente o que aconteceu com a ex-presidente Dilma no período final do impeachment, quando ela já não governava, mas ocupava-se em tentar evitar seu fim. O país está vendo agora novamente esse mesmo movimento. O problema do gesto que o governo Temer ensaia agora, de bondades econômicas, pode enfraquecer a economia, quando ela começava a dar os primeiros sinais positivos. As bondades põem em risco a meta fiscal que, é bom lembrar, é o de um enorme déficit primário.

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