domingo, 18 de junho de 2017

“Vamos dar uma trégua ao Brasil”, diz FHC

Em entrevista à ISTOÉ, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que o apoio do PSDB ao presidente Temer não significa acordo com o PMDB para 2018. Para ele, a crise é do sistema político e o pior para o País seria o surgimento de um salvador da Pátria

Germano Oliveira, IstoÉ


Comemorando 86 anos neste domingo 18, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2003), considerado o “príncipe” dos sociólogos, classifica a decisão do PSDB de continuar apoiando o governo de Michel Temer como acertada e diz que a medida foi tomada “no limite da responsabilidade”. Ou seja, sem os tucanos, o peemedebista poderia ter seu governo inviabilizado e as reformas ameaçadas. Em entrevista à ISTOÉ na tarde da última quinta-feira 15, em seu apartamento no sofisticado bairro de Higienópolis, FH, como gosta de ser chamado, afirma que se Temer for denunciado pelo procurador-geral da República e o Congresso aprovar a abertura da ação, o governo perde a legitimidade e, ai sim, o PSDB desembarca do governo. “Não só o PSDB, mas a sociedade vai exigir mudanças”. Para ele, se o governo perder a legitimidade, poderia até haver uma antecipação das eleições, mas ele acha melhor que Temer fique até o final. FH, no entanto, pede que haja uma “trégua” da classe política para que o País volte a ter estabilidade social.

O PSDB decidiu permanecer apoiando o governo Temer. O senhor acha que foi a medida mais acertada?

Foi no limite da responsabilidade. Eu vi várias interpretações sobre a decisão. E a verdade é a seguinte: dizem que o PSDB quer fazer um acordo com o PMDB, pensando nas eleições futuras. Isso tudo é fantasia. Porque daqui até as eleições vai passar muita coisa.

O senhor acha que a governabilidade falou mais alto?

Eu prefiro pensar que sim.

Sem o PSDB, o governo se inviabiliza? O PSDB passa a ser o fiel da balança?

Não sei se seria o fiel da balança. As dificuldades do governo são com a Nação, não são com o sistema partidário. O governo para se viabilizar precisa explicar ao País, primeiro, qual é o rumo. Segundo, as acusações que existem, que procedência têm? Precisa haver um ajuste de verdades. O povo está inconformado, irritado, achando que tudo é corrupção. Então, o governo precisa se explicar perante a Nação.

Na questão do desembarque , algumas cabeças pretas, como são chamados os tucanos mais jovens, discordaram da decisão de ficar. Os caciques do PSDB não têm o partido nas mãos?

Faz tempo que os cabeças brancas não comandam mais nada. Nem no PSDB e nem em nenhum outro lugar. Hoje se tem um nível de informação tão grande que as pessoas formam sua opinião de maneira tão independente que você tem de convencê-las. Não importa se as cabeças são brancas ou são pretas. Ninguém toma uma decisão só porque alguém deu uma ordem. O Brasil está indeciso e o PSDB reflete isso.

O partido disse que fica, desde que não surjam fatos novos, que possam vir a comprometer esse apoio. Quais fatos novos que podem tirar o PSDB do governo?

A denúncia do procurador-geral por exemplo. Até há pouco, havia a pressuposição, a partir de uma ação movida pelo PSDB, de que a campanha eleitoral de 2014 foi ganha através do abuso do poder econômico. Isso foi o PSDB quem propôs. O TSE decidiu, por 4 a 3, de que não foi assim. Então, nós vivemos dentro da Constituição. E a Constituição diz que uma possibilidade legal seria o TSE ter declarado que houve abuso. Mas ele declarou que não houve. Diante dessa situação, um fato novo grave é o que se diz que vai acontecer. Ou seja, o procurador-geral da República deve pedir licença ao Congresso para processar o presidente da República.

E isso é grave?

Isso é uma coisa de suma gravidade. Eu me recordo que no tempo do Getúlio, quando os militares se moveram e fizeram os famosos Inquéritos Policiais Militares, os IPMs, do Galeão, e chamaram o irmão dele, o Banjamin Vargas. Getúlio se matou pouco depois. Se o Congresso der autorização para processar o presidente, isso é gravíssimo. Para pedir essa autorização o procurador tem que estar bem embasado. Se o Congresso diz que está embasado, acabam as condições morais de governar.

E aí o PSDB desembarca?

O país vai ficar de perna para o ar.

O senhor disse que falta legitimidade a Temer e que ele teria que antecipar as eleições como gesto de grandeza.

Não é que falta legitimidade ao Temer. Ele está lá por imposição constitucional. É legal. O governo é que está perdendo legitimidade. É o consentimento dos que obedecem à ordem dada. Quando as pessoas começam a discordar, e não é só do governo federal, perde-se a legitimidade. O que se vê hoje é atrito entre a Polícia Federal e os procuradores. Entre o Executivo e o Legislativo. Membros do Judiciário mandam cessar o mandato de um membro do Legislativo. Tudo isso são sinais de que a ordem está começando a perder validade. Isso é grave. Isso é que é deslegitimar. Não é só o Temer. É muito maior do que isso.

O que o senhor quis dizer que se a pinguela quebrar, vamos atravessar o rio a nado?

Eu quis dizer que se ficar claro que o governo perdeu as condições de governar é preciso recorrer à soberania popular.

No auge da crise, se dizia que Temer deveria ficar por não haver um nome de consenso para substituí-lo. Falava-se no nome do senhor como essa alternativa. O senhor gostaria de fazer essa transição?

Não. Eu já disse uma porção de vezes. É mais fácil o presidente atual comandar o processo de transição do que um outro. Se for para o lugar de Temer tem que ser para um processo de transformação. Não pode ser com a ideia de permanecer. Mas eu acho que precisa de uma pessoa que mostre à Nação qual é o rumo a ser seguido e que tenha energia. Eu tenho 86, que completarei domingo agora. É muito tempo. Está na hora de mudar a geração de mando. Podemos esperar as eleições para isso, mas essa pessoa tem que dar sinais de pacificação à Nação.

O senhor sempre foi considerado esse pacificador. Acha que precisa haver um pacto pela união nacional?

Implicitamente sim. Pacto não é conchavo. Precisa haver uma convergência de pontos de vista. Não excludente. Não apelando só aos partidos, mas à sociedade. Os sindicatos, os empresários, as igrejas, os movimentos sociais, os intelectuais. Para dizer: vamos dar uma trégua ao Brasil. Precisamos desse acordo porque o desemprego está enorme, o desenvolvimento econômico mal começa a aparecer e cai novamente.

Trégua com Temer ou sem Temer?

Tanto faz. Se Temer sentir que o dever dele é conduzir o País para um novo passo, é mais fácil.

Com a vitória no TSE, a tormenta dele passou?

Não acredito, porque a tormenta vem de todo lado. A tormenta é permanente para todos os chefes de Estado.

O senhor acredita que o TSE foi político, sem levar em consideração as provas de corrupção na eleição de 2014?

Não tenha dúvida. O PSDB moveu a ação convencido disso. E o que foi mostrado era o suficiente para cassar. E por que não foi cassada a chapa? Porque os ministros do TSE acharam que em nome da estabilidade foi melhor não cassar.

O senhor acha que Temer tem como dar a volta por cima e reconduzir o país no caminho das reformas?

Não posso garantir, mas espero.

O senhor acredita que a oposição esteja sabotando as reformas?

A oposição está fazendo o que toda a oposição faz. Ela vota contra. A situação política chegou a tal gravidade, que precisa surgir alguém é diga: olha aqui vamos parar os interesses dos partidos e das pessoas e confluir em alguns pontos, para depois recomeçar a briga?

O senhor entende que ainda existe clima para as reformas ou elas deveriam ficar para o novo governo?

Eu vi o que aconteceu no Senado na reforma trabalhista. O senador Tasso Jereissati e o PSDB é que aguentaram a reforma. A da Previdência é mais complexa. Eu passei por ela também. Há um problema óbvio que é o desequilíbrio fiscal, mas tem o problema da população que quer se aposentar o quanto antes melhor. Tem que ver ajustes. Não são recuos.

Quando o PT fica contra as reformas, o senhor acha que o partido quer ver Temer sangrar até o final para depois apresentar Lula como o salvador da pátria?

O PT também propôs reformas quando esteve no poder. A razão agora é meramente política. Mas o que pode acontecer de pior para o Brasil é um salvador da pátria. Seja quem for. A pátria só vai ser salva se fortalecermos as instituições. O drama que o PT tem é que ele abdicou de ser um partido que tem um conjunto de idéias para ter um líder, que passa a ser a fonte de legitimação de tudo o que faz. E esse líder está sendo questionado e até ameaçado de prisão.

O senhor acha que pode ter uma aliança do PSDB com o PMDB para 2018?

Até lá, o tempo é tão longo e precisamos ver quem vai sobreviver, inclusive os partidos. Essa crise não é do PT, não é do PMDB, não é do PSDB, é de todo o sistema político. Dá a impressão que ele se exauriu. Cansou e não representa mais os anseios do País.

Os principais líderes do PSDB foram abatidos por denúncias na Lava Jato. O senhor acha que isso abre caminho para nomes novos, como o do prefeito de São Paulo, João Doria?

Acho que sim. Não só para o João Doria, mas o PSDB tem muitos governadores, prefeitos, lideranças novas na Câmara.

As denúncias envolvendo o senador Aécio maculam o PSDB?

Não sei se macularam, mas complicaram bastante a situação do partido. Mas primeiro precisa ver os fatos contra ele e depois julgar. Precisamos agora um pouco de moderação. Não é moderação para absolver, mas é para não fazer vingança. Ainda não vi com clareza qual é a acusação contra ele. Mas acho que a prisão da irmã do senador Aécio significa que ou o Tribunal tem informações que não passou para ninguém ou não vejo razão para uma pessoa ficar presa sem ainda não ter sido julgada. Há vários casos como o dela. Sou a favor da Lava Jato, mas acho que uma prisão temporária tem que acontecer quando uma pessoa tem capacidade de obstruir a Justiça, por exemplo, mas não se justifica quando vai se passando muito tempo e não há julgamento.

Muito se fala dos exageros da PGR, de divulgar fitas sem perícias. O senhor acha que a PGR está extrapolando?

Acho que no caso da fita não entendo porque não houve perícia. Deveria ter havido. Tem que haver os devidos passos do processo legal. Acho que precisa haver prudência. Prudência não é medo. Cautela para respeitar a lei. Os tribunais tem que exercer também a capacidade de julgar. Os procuradores tem que acusar. É a função deles, mas acusar desde que tenha indícios. A Justiça tem que ser serena.

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