terça-feira, 25 de julho de 2017

A sede pela preservação do poder | Maria Clara R. M. do Prado

- Valor Econômico

Provavelmente o futuro auspicioso previsto por Zweig há 76 anos não estará garantido a partir das eleições de 2018

Deslumbrado com a exuberância da floresta amazônica, com a pujança de São Paulo e com a criatividade do povo, Stefan Zweig, escritor austríaco e autor, entre outros, do livro Brasil, um País do Futuro (1941), impôs ao país a marca que ficaria para sempre registrada no imaginário popular. A sensação de um futuro que nunca chegará, de um futuro eterno e inalcançável, acabou por firmar-se, com os desmandos e a mediocridade prevalente no sistema político, como a mais realística interpretação do vaticínio de Zweig.

Já se disse que no Brasil até o passado é incerto. O futuro, então, não passaria de uma miragem recheada por um misto de devaneio, esperança e torcida. Via de regra, o futuro dificilmente se confirma no presente, o que o coloca sempre mais distante.

Pior do que um futuro fora de alcance é a cegueira que persiste em não querer enxergar o futuro como desdobramento natural das condições conforme se apresentam no presente. O aumento de impostos determinado pelo governo sobre o preço dos combustíveis é um exemplo claro da resistência em perceber que a ampliação da carga tributária seria, mais uma vez, a alternativa para compatibilizar a receita com a despesa do setor público diante do tremendo quadro de recessão que tem afetado o país nos últimos três anos.

Não basta o eufemismo, nem o marketing político. O crescimento da economia depende da conjugação de vários fatores, como se sabe, mas tem hoje estreita relação com a absoluta incerteza quanto à situação política atual e, ainda mais obscuro, com a sucessão presidencial em janeiro de 2019.

Vive-se no Brasil ao sabor dos altos e baixos, entre os acontecimentos que impactam a política pela via das investigações da Lava-Jato e das denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) e o fôlego do governo Temer em resistir no poder. É possível que o ritmo de gangorra se mantenha por mais tempo, mas isso não alivia os efeitos perversos que a insegurança política causa na economia.

Com Temer ou sem Temer à frente do poder executivo até o final deste período presidencial, começa a ganhar cada vez mais relevância os exercícios de adivinhação sobre quem vencerá as eleições do ano que vem. Em um país que não tem futuro porque não se prepara para ele, tudo pode acontecer. Em especial, considerando a acefalia de lideranças reconhecidamente legítimas por parte da sociedade, fica difícil imaginar um governo sucessório com capacidade de implementar políticas que atendam aos interesses dos eleitores e não da classe governante. Ainda mais se não houver alternância do grupo que tem garantido a maioria no Congresso.

Independentemente de ser mais à direita ou mais à esquerda, é importante a eleição de parlamentares conscientes de que os desejos particulares não devem prevalecer e de que não são eleitos para formarem grupos políticos com o objetivo de perpetuarem-se indefinidamente no poder.

As implicações da corrupção no setor público sobre o desenvolvimento econômico são dramáticas e, pode-se dizer, auto-alimentadas pelos mesmos efeitos daninhos que provocam. A lista é longa. Segundo estudos do Banco Mundial, a corrupção:

• influencia a formação de cartéis que afetam os preços e a qualidade de produtos e serviços, tornando a economia vulnerável à inflação e a baixos níveis de competitividade;
• contribui para a ineficiência na alocação dos recursos, pois viabiliza a expansão da riqueza de indivíduos e grupos privados que sustentam interlocutores corruptos na administração pública;
• estimula o desequilíbrio na distribuição de renda porque opera de forma a manter desproporcionalmente reduzido o tamanho da classe média e a dificultar as atividades dos pequenos empreendedores;
• desestimula o avanço tecnológico pela desconfiança sobre os retornos com patentes e o uso das inovações;
• afeta a qualidade da educação porque desvia recursos do setor, deixando de priorizar a melhoria da formação educacional e profissional da grande massa em idade escolar;
• compromete a qualidade da saúde na medida em que não há controle sobre o uso da verba pública em postos de saúde e hospitais, nem sobre a qualidade e a presteza do atendimento médico;
• dificulta o equilíbrio fiscal pelo comprometimento dos canais de arrecadação, de um lado, e pelo uso do dinheiro em finalidades não previstas no orçamento.

Não é difícil perceber que a continuidade das situações adversas provocadas pela corrupção e pela malversação do dinheiro público acaba por alimentar um ciclo vicioso que, de tão enraizado, dificulta o rompimento do paradigma.

É certo que a Lava-Jato e tudo o mais levantado por juízes e procuradores têm a fantástica função de funcionar como condutores a uma mudança de comportamento no sistema político brasileiro, mas desanimam os procedimentos na Câmara dos Deputados com o intuito de introduzir no Código de Processo Penal mudanças nas regras da delação premiada e na prisão preventiva com claro objetivo de diminuir o poder dos procuradores.

O Brasil vive uma espécie de batalha subliminar entre forças organizadas, que pretendem manter o status quo através de manobras e artimanhas que lhes garantam preservar o poder, e o anseio difuso e desorganizado de uma sociedade interessada em radical transformação no sistema político, onde os representantes dos eleitores no legislativo e no executivo possam atuar nos moldes de uma democracia civilizada.

Tudo depende do voto e o voto depende da conscientização dos eleitores para as grandes questões que estão em jogo. Muito provavelmente, o futuro auspicioso previsto por Zweig há 76 anos não estará garantido a partir das eleições de 2018, mas com boa vontade pode-se esperar que esteja mais próximo de ser alcançado. Ilusão?

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