segunda-feira, 3 de julho de 2017

Haja criatividade | Cida Damasco

- O Estado de S. Paulo

Cancelar o reajuste nos benefícios do Bolsa Família, programado para este mês. Tirar dinheiro da educação para permitir a volta da emissão de passaportes, suspensa pela Polícia Federal com a alegação de falta de recursos. A primeira decisão está mantida, a segunda durou só 24 horas, por motivos óbvios. Peculiaridades à parte, as duas notícias são, no fundo, dois exemplos gritantes da penúria do caixa da União justamente na hora em que a luta pela sobrevivência pressionaria o governo Temer a arrumar espaço fiscal para fazer algumas bondades. Sem querer apelar para a analogia simplista entre os orçamentos doméstico e do governo, o fato é que o dinheiro está cada vez mais minguado e o que se vê são tentativas de abrir um buraco para tapar o outro. Difícil encontrar quem discorde disso.

Para quem acreditou piamente na palavra de ordem “tudo pelo ajuste fiscal”, acompanhar a evolução das contas públicas tem sido um susto constante. Não é à toa que crescem as dúvidas sobre a viabilidade da projeção oficial de um déficit de R$ 139 bilhões do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) para o fechamento de 2017. Segundo os analistas de mercado que alimentam o Prisma Fiscal do Ministério da Fazenda, a expectativa é de um rombo de R$ 142 bilhões. O relatório do Instituto Fiscal Independente, órgão ligado ao Senado, vai na mesma direção e joga o número um pouco mais para cima: R$ 144 bilhões.

As razões do descrédito da meta fiscal são cristalinas. As receitas ordinárias continuam abaixo do esperado, já que a atividade econômica ainda está anêmica, e as receitas extraordinárias são, por sua própria natureza, duvidosas. Mesmo assim, o governo conta com um reforço extra no caixa de R$ 55 bilhões este ano, quase 17% mais do que em 2016. Já as despesas resistem, não aquelas consideradas “do bem”, que mais à frente poderiam reverter em estímulos à retomada. Investimentos continuam ladeira abaixo e gastos com pessoal em alta, em consequência dos aumentos salariais concedidos por Temer a algumas categorias de servidores.

Basta examinar, a esse respeito, o balanço de maio. O rombo acumulado no ano chegou perto de R$ 35 bilhões, o maior para a série histórica, iniciada em 1997. Embora o resultado do mês tenha sido bastante influenciado pela antecipação de pagamento de precatórios e sentenças judiciais, o perfil das contas confirma a fragilidade da situação fiscal. Descontando a inflação, as despesas totais caíram 1,1% nos cinco meses do ano, em relação ao mesmo período de 2016, mas os gastos com pessoal aumentaram quase 12%. Já as receitas tiveram uma redução de 1,7%.

Nesse quadro, não é preciso ser nenhum especialista em contas públicas para entender o terreno estreito em que se move o governo. Poderia ter revisado a meta fiscal para o ano em março, quando ficou claro que as previsões de crescimento do PIB e de receitas não passavam de ilusão, mas preferiu recorrer ao bloqueio de gastos para manter a meta – a revisão, entendia o Planalto, corria o risco de desmoralizar a incensada política de ajuste fiscal. O desafio agora é encontrar saídas para impedir que os números fujam muito das projeções oficiais. Como? Corte substancial de despesas já se viu que é quase impossível. Sobra, como alternativa, desistir de algumas medidas que iriam aumentar as despesas – e, mesmo assim, com grande custo político.

Do lado das receitas, também há pouco a se fazer em termos concretos. Ainda mais que aumento de imposto não é exatamente coisa que conte com a “simpatia” aos contribuintes – a intenção inicial, ao contrário, era dar algum alívio no Imposto de Renda. Pode ser até que saia algo como aumento da Cide, o tributo sobre vendas de combustíveis, mas é muito pouco para o tamanho do buraco. Resta então usar a “criatividade”. Já há, por exemplo, a intenção de aprovar um projeto para permitir lançar mão dos recursos destinados a pagamento de precatórios que não foram retirados pelos credores. O risco, agora, é ampliar o repertório de soluções técnicas “criativas” que, além de insuficientes, acabem batendo em ideias estapafúrdias como a da retenção do FGTS para bancar o seguro-desemprego.

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