segunda-feira, 31 de julho de 2017

Luta pela sobrevivência | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Ganho de poder das lideranças nacionais não poderia ser maior

Em artigo publicado na "Folha de S. Paulo" (26/07/2017), Vicente Cândido (PT-SP), relator da Reforma Política, defendeu seu projeto. A conjuntura crítica, "a falência escancarada do modelo atual" em suas palavras, pediria medidas radicais, dentre elas a adoção do financiamento público de campanha.

Vista por muitos como antídoto à influência nefasta do dinheiro sobre a atividade política e à corrupção, a medida resolve alguns problemas, é neutra em relação a outros e, por último, coloca novos desafios.

Recursos públicos devem ser distribuídos e isto pede critérios. Nenhum deles será neutro. Sem justificar estes critérios, sem considerar suas consequências, a medida se reduz à mera reação da classe política para facilitar a própria vida.

As reações à proposta, lamentou o relator, deixaram de lado o essencial, privilegiando questões menores: "É preciso, contudo, estar alerta. A intenção inicial, apresentada em outubro do ano passado, de promover uma profunda reforma do Estado está agora limitada ao mero cálculo de quanto cada partido disporá para o próximo período eleitoral."

O nobre relator quer que em nome de um ideal maior, a 'profunda reforma do Estado', deixemos olhar para quem terá mais recursos para competir em 2018. O relator parece esquecer que há diferentes projetos de 'reforma do Estado' em jogo. Mesmo que houvesse um único projeto, faz diferença quem será responsável por implementá-lo. Ou será o mesmo se quem o fizer for o PMDB, o PT ou o PSDB? Ou Marina? Ou Bolsonaro?

O fato é que a ficha do pragmatismo político já começou cair para alguns pré-candidatos. O estridente Ronaldo Caiado (DEM-GO), velho defensor do financiamento público das campanhas em 2003, baixou o tom e reconheceu que o Planalto está acima das suas possibilidades. Resignou-se a bater armas pela conquista do governo de Goiás.

Gilberto Kassab, líder inconteste do PSD e ministro de Temer, declarou que "não tem como ser diferente. Campanhas competitivas serão a prioridade. Ninguém vai ter dinheiro para apostar em candidaturas sem chances."

Seu colega da Esplanada e de partido, Henrique Meirelles, com certeza anotou o recado. O titular da Fazenda não poderá proceder como fez em 2002, quando se lançou candidato a deputado pelo PSDB na Goiás dos Caiados, financiando sua própria campanha. Esta possibilidade foi vetada por Cândido em eleições executivas. Aliás, não é demais lembrar, que foi esta 'invasão' não autorizada que levou Caiado a abandonar suas convicções privatistas do tempo da UDR, passando a esbravejar a quatro ventos que sem ajuda do Estado, a politica seria dominada pelo dinheiro do crime organizado.

Os líderes partidários, contudo, não têm do que reclamar. A Reforma reforça o poder das instâncias nacionais dos partidos. O diretório (ou executiva) nacional será o responsável por receber, administrar e, aqui o ponto crucial, distribuir os recursos do Fundo de Desenvolvimento da Democracia (FDD). Para tanto, devem elaborar um Plano de Alocação de Recursos (PAR).

O ganho de poder das lideranças nacionais não poderia ser maior. O plano de alocação é pré-condição para receber os recursos do FDD. Neste plano, de uma tacada, serão definidos os recursos com que contarão todas as chapas do partido nos vinte oito distritos eleitorais. As restrições impostas nesta alocação são mínimas: 50% para as eleições majoritárias, 30% para as disputas pelas cadeiras da Câmara dos Deputados e os restantes 20% se destinariam aos candidatos as Assembleias Legislativas.

Respeitadas estas proporções, a instância nacional definirá livremente quais candidaturas acreditam ser competitivas e quais não; quais receberão dinheiro, quais não. Detentores de mandatos, em todos os níveis, com certeza, são candidatos óbvios para fazer parte do primeiro grupo.

Há aqui, portanto, campo para selar um acordo entre líderes e os atuais deputados. À boca pequena corre o boato de que emendas de plenário ressuscitarão o 'distritão'. Aí o golpe seria perfeito, oferecendo vantagens enormes aos deputados contra desafiantes. Com o 'distritão', os custos de entrada para os novatos iriam à estratosfera.

Obviamente, no que se refere à parte dos recursos reservada às eleições majoritárias, a primeira decisão é se o partido alocará ou não seus recursos escassos à eleição presidencial. O DEM e o PSD já emitiram sinais de que ficarão de fora desta disputa. Outros menos votados, como PP e PSB, provavelmente, chegarão à mesma conclusão: não têm bala na agulha para voos mais altos. No máximo, alguns governos estaduais aqui e ali.

Na realidade, na definição das candidaturas presidenciais, quem tem mais recursos se movimenta primeiro, definindo sua estratégia, forçando a resposta de seus opositores. Somente PMDB, PT e PSDB, nesta ordem, contarão com dinheiro suficiente para bancar pretensões nacionais. Entretanto, nenhum deles terá condições de, ao mesmo tempo, ter candidato à Presidência e ao governo em um bom número de Estados.

Se for assim, não é difícil adivinhar o que farão PMDB e PT. O mais provável é que o PMDB priorize eleições estaduais, enquanto o PT concentre recursos na candidatura Lula. Neste cenário, o PSDB dificilmente deixaria de jogar fichas em uma nova tentativa de recuperar a Presidência. Os tucanos, contudo, para fazê-lo, dado os recursos que disporão, talvez tenham que sacrificar seus interesses em alguns Estados.

A Reforma sequer começou a tramitar. As dificuldades que enfrentará, com certeza, não serão pequenas. O objetivo maior que move Vicente Cândido e as demais lideranças está estampado na abertura de seu artigo: "A reforma interessa a todos os deputados, uma vez que a sobrevivência da classe política depende das regras que valerão para o próximo período eleitoral." O recado está dado.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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