quarta-feira, 26 de julho de 2017

O escandaloso custo fiscal do Fies | Cristiano Romero

- Valor Econômico

Programa fez a festa de instituições privadas e de fundos estrangeiros

O elevado e insustentável custo fiscal do Fies, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, é a prova de que políticas públicas mal desenhadas trazem mais ônus para a sociedade do que benefícios, inclusive, para o público que prioritariamente deveria ser alvo de programas sociais, nesse caso, os estudantes de baixa renda. Os números do Fies, passados alguns anos desde que se decidiu abrir o cofre e expandi-lo a qualquer custo, mostram que políticos como a ex-presidente Dilma Rousseff veem o Estado como uma entidade abstrata que pode se endividar de forma ilimitada.

O Fies existe desde 2001, mas foi no fim do governo Lula e principalmente na gestão Dilma (2011-2016) que o fundo cresceu de forma acelerada. Os números impressionam.

Intitulado "Diagnóstico Fies", estudo feito pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda mostra que, de 2009 a 2015, o número de instituições de ensino superior públicas saltou de 245 para 295, um aumento de 20%, sendo que o volume de matrículas cresceu de 1,4 para 1,8 milhão (alta de 35%). No mesmo período, o número de alunos matriculados com recursos do Fies pulou de 182 mil para 1,9 milhão, um avanço médio anual de 280 mil.

A fase de maior expansão do programa se deu a partir de 2012. Naquele ano, o Fies passou a oferecer um crédito muito mais barato aos estudantes, orçamento ilimitado para essa despesa e, o principal, a concentração do risco de inadimplência nas contas da União. Já em 2012 foram firmados 378 mil novos contratos, em 2013 mais 560 mil e, em 2014, impressionantes 733 mil. Em 2015, quando a economia já estava em recessão e era esperado um ajuste nas contas públicas, o Fies celebrou 287 mil novas matrículas e, no ano passado, 201 mil.

As universidades federais não têm como atender a demanda por ensino superior. Em 2015, o número de instituições públicas representava 14,5% do total das escolas de ensino superior do país. Naquele ano, havia 1,8 milhão de estudantes matriculados nessas instituições e 4,8 milhões em instituições privadas - 1,9 milhão com cobertura do Fies.

As instituições privadas têm papel crucial a cumprir. É fato, também, que existe uma falha de mercado no financiamento estudantil - o acesso ao crédito privado é caro e difícil porque, evidentemente, estudantes carentes não possuem garantias a oferecer aos bancos.

O governo tem, nessa área, uma missão a desempenhar. Nos tempos de inflação crônica, havia o crédito educativo, parecido com o Fies - por meio da Caixa Econômica Federal, a União bancava as mensalidades e, uma vez formados, os estudantes recebiam um carnê com prazo bem dilatado para honrar o crédito recebido; na prática, a devolução era mínima porque os valores não tinham correção monetária e a inflação, sempre altíssima, corroía o valor da dívida ao longo do tempo.

Outras formas de crédito foram criadas depois e a que prevaleceu, antes do modelo adotado pelo governo Dilma, exigia dos alunos fiança para garantir o crédito. O sistema que impulsionou o Fies foi claramente idealizado para massificar o crédito. Não se tenha dúvida: assim como em outras iniciativas do governo Dilma na área social, a motivação era política.

Os incentivos criados, como relata o estudo feito pela equipe do secretário Mansueto Almeida, explicam algumas características do programa:

1) os estudantes não fazem ideia da natureza do crédito, achando que se trata de uma bolsa ou de um empréstimo a fundo perdido; por essa razão, não fiscalizam as escolas nem dão bola para o valor das mensalidades;

2) muitas instituições cobram mensalidades mais altas dos alunos com Fies - uma perversidade que explica por que o programa faz a alegria de dezenas de empresas do setor de ensino e por que escolas estrangeiras e fundos de "private equity" vieram aportar no Brasil desde 2011;

3) dadas as vantagens do Fies, estudantes que já eram financiados por outras formas de crédito migraram para o novo programa e outros passaram a gozar de duas formas de financiamento, o que explica a redução de 3,9 para 2,9 milhões no número de alunos sem Fies entre 2011 e 2015;

4) dada a existência de um seguro de crédito bancado quase que inteiramente pela União, os bancos que repassam os recursos não verificam a renda familiar para saber se o estudante tem direito ao benefício;

5) para ter acesso mais facilmente aos recursos, instituições de ensino privadas reduziram exigências acadêmicas para o ingresso de alunos cobertos pelo Fies.

Dois resultados desses incentivos chamam a atenção. O primeiro é alta inadimplência do Fies. Quando se consideram todos os contratos, inclusive, os da carteira contratada antes das mudanças promovidas pelo governo Dilma, a inadimplência dos financiamentos em fase de amortização é de 30%; o percentual sobe para 46,5% no contratos firmados desde 2010 e 51,4%, nos firmados desde 2012.

O segundo efeito aparece nas contas públicas: em 2016, a execução financeira do Fies custou R$ 19,2 bilhões; de 2011 a 2016, o programa somou despesa de R$ 61,9 bilhões (este saldo avançou mais de 1.000% em quatro anos); do total gasto, quase 100% foi obtido via aumento da dívida pública; nesse período, a despesa de custeio e administrativa do Fies atingiu R$ 2,2 bilhões e os aportes ao FGEDUC, o fundo que dá seguro ao crédito, R$ 2,5 bilhões; o subsídio implícito - a diferença entre o custo de captação do Tesouro Nacional e a taxa de juros cobrada nos financiamentos - chegou a R$ 11,4 bilhões no ano passado, elevando o custo fiscal anual do Fies para R$ 32,3 bilhões (0,5% do PIB); em 2017, a conta deve ficar em R$ 30,2 bilhões.

Numa manobra típica dos anos "mágicos" da contabilidade criativa empreendida pela Fazenda, o impacto do Fies é visível na dívida pública bruta, mas não na líquida porque os financiamentos são contabilizados como um ativo da União. Foi feito algo parecido com os empréstimos do Tesouro ao BNDES, prática que diminuiu a credibilidade das contas públicas e contribuiu, em 2015, para a perda do grau de investimento, o selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de risco.

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