quinta-feira, 27 de julho de 2017

O problema da Venezuela não é a sua Constituição – Editorial | Valor Econômico

A Venezuela chega nesta semana a uma nova encruzilhada. Seus líderes, infelizmente, parecem preferir que o país continue rumando para a tirania política e o caos econômico. Há pouco o que os vizinhos latino-americanos possam fazer para evitar esse desfecho. Já um possível embargo dos EUA ao petróleo venezuelano agravaria drasticamente a crise econômica e, consequentemente, o sofrimento da população do país. Mas não necessariamente provocaria uma rápida ruptura política. Seria uma aposta, mas uma aposta arriscada.

A Venezuela vive uma crise épica, após 18 anos de chavismo. O PIB desabou 18% em 2016 e deve cair mais 12% neste ano, segundo o FMI. A economia depende como nunca do petróleo, cuja produção está em queda, apesar de o país ter as maiores reservas mundiais. Há escassez de alimentos e medicamentos. A violência cresceu de modo assustador. O turismo minguou. Cerca de cem pessoas morreram em protestos desde março. É longa a lista dos tormentos.

Como resposta, o presidente Nicolás Maduro convocou uma Assembleia Constituinte, cuja eleição se dará neste domingo. O processo está eivado de vícios. A própria convocação, disse a procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega, é inconstitucional. E as regras para a escolha dos constituintes são bizarras. O voto será "territorial e setorial". Isto é, cada um dos 335 municípios do país elegerá um representante, independentemente do seu tamanho, o que permite conquistar a maioria na Assembleia com uma ínfima minoria dos votos. Os demais 173 constituintes serão eleitos por "setores da sociedade", num procedimento turvo.

Com esse processo eleitoral "ad hoc", o chavismo deve ter a maioria na Constituinte, apesar da impopularidade de Maduro.

Mas o ponto principal é que a Venezuela não necessita de uma Constituinte. O problema maior do país não é a sua Constituição, redigida em 1999, já sob o comando de Hugo Chávez, mas sim o contínuo desrespeito a essa mesma Constituição e às leis em geral pelo governo, e a sua gestão inepta da economia. E nada disso será melhorado com uma nova Carta Magna.

Na verdade, Maduro convocou a Constituinte com o objetivo de deslegitimizar a Assembleia Nacional, o Legislativo venezuelano, no qual a oposição têm maioria. A Constituinte poderá ainda permitir a Maduro continuar adiando eleições que seu governo certamente perderia. Eleições regionais deveriam ter sido realizadas em 2016. Ficaram para o começo deste ano. Agora estão marcadas para dezembro, mas podem ser adiadas por conta da Constituinte.

Até o agravamento da crise, em 2015, o regime chavista buscava manter ao menos uma fachada democrática, realizando eleições regulares. E venceu a maioria, impulsionado pelos petrodólares. Mas eleições regulares são um momento, e não a essência, da democracia. Aos poucos o chavismo foi minando essa essência, ao aparelhar o Judiciário, ao cercear liberdades civis, ao prender opositores, ao desrespeitar as poucas eleições que perdeu.

Agora nem mesmo a fachada democrática ficou de pé. Ao adiar as eleições regionais, ao impedir a realização de um referendo de confirmação do mandato do presidente e ao convocar uma Constituinte farsesca, Maduro escancarou o caráter autoritário do chavismo.

Ao contrário dos outros movimentos de esquerda na América Latina, o chavismo nunca aceitou realmente o jogo democrático. Apenas o usou para tomar o poder e brincou enquanto tinha certeza da vitória. Agora, sem essa certeza, a brincadeira acabou. O regime chavista não dá sinais de que aceitará partilhar o poder, nem muito menos de que o deixará pacificamente.

Não há muito o que os países vizinhos possam fazer, a não ser demonstrar de modo inequívoco a sua desaprovação. Por isso, é preocupante que expoentes da esquerda brasileira continuem apoiando Maduro.

Já o governo americano impôs ontem sanções a 13 indivíduos venezuelanos. Isso é um alerta de que novas sanções poderão vir depois da eleição da Constituinte, de acordo com ameaça feita pelo presidente Donald Trump. A sanção mais graves envolveria alguma proibição de compra de petróleo venezuelano. A Venezuela vende cerca de 800 mil barris por dia para os EUA, pouco mais de metade de suas exportações totais de petróleo. Um embargo seria desastroso para a economia do país e poderia ampliar os protestos, eventualmente levando à queda do regime. Mas daria também a Maduro uma desculpa para a crise e uma justificativa para ampliar a repressão.

Não está claro se esse eventual embargo aceleraria ou não um processo de transição política. E os custos sociais podem ser imensos.

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