segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A árdua missão do próximo presidente da República – Editorial | Valor Econômico

O governo promoveu um verdadeiro choque de realidade ao anunciar, na semana passada, a mudança nas metas fiscais deste e dos próximos três anos. Da noite para o dia, todos ficaram sabendo que o déficit primário nas contas da União terá um acréscimo de R$ 199 bilhões no período de 2017 a 2020, em relação ao que estava anteriormente previsto - esse valor equivale a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando se achava que o setor público brasileiro estava no fundo do poço, o governo revelou que o buraco era mais fundo. A situação é ainda mais dramática do que as se acreditava.

Um déficit primário maior significa que o governo terá que recorrer, com maior intensidade, à poupança privada para pagar suas despesas correntes, ou seja, os gastos com o custeio da máquina administrativa, com pessoal, com saúde, com educação e com os parcos investimentos que ainda realiza. Não se trata de pegar dinheiro no mercado para pagar juros da dívida. Isso também continua. O que aumentou foi a necessidade de o governo tomar dinheiro dos poupadores privados para pagar suas despesas do dia a dia.

Déficit primário maior implica mais emissão de títulos públicos, ou seja, mais dívida. A trajetória do endividamento público, que já era preocupante - pois aumentou 21 pontos percentuais do PIB desde o fim de 2013 - passou a ser alarmante. O governo já admite que a dívida pública bruta chegará a 81,1% do PIB ao fim de 2020. A previsão anterior, antes da mudança das metas, era de 77,7%. Instituições financeiras estão fazendo projeções ainda piores, que superam 90% do PIB.

Não é preciso ser especialista em finanças públicas para entender que a dívida não poderá crescer indefinidamente, pois não haverá investidores que queiram bancar essa trajetória. E só há uma forma de brecar a expansão do endividamento: o setor público brasileiro produzir superávit primário em suas contas. Ou seja, parar de emitir títulos para financiar despesas primárias correntes. O governo avisou, no entanto, que não será possível registrar superávit nas contas da União antes de 2021, na melhor das hipóteses.

As novas metas fiscais indicam que o grosso do ajuste fiscal será feito pelo futuro presidente da República, a ser eleito em outubro de 2018, pois ele herdará as contas da União com um déficit primário de R$ 159 bilhões, equivalente a 2,2% do PIB previsto para 2018. O presidente eleito terá, portanto, que apresentar um programa econômico que tenha como objetivo principal reverter esse quadro.

A realidade que o futuro presidente enfrentará é ainda mais desafiadora porque, como admitiu a equipe econômica do presidente Michel Temer, não será possível cortar ainda mais as despesas de custeio da máquina pública e os investimentos - as chamadas despesas discricionárias, ou seja, aquelas que podem ser reduzidas. Neste ano, as despesas discricionárias estão no nível registrado em 2010, de acordo com estimativa do Tesouro Nacional. O atual governo considera que um corte adicional implicará suspensão ou deterioração de serviços prestados aos cidadãos.

O futuro presidente terá, portanto, que promover corte nas despesas obrigatórias e elevar as receitas da União. Haverá um natural aumento da arrecadação em decorrência da retomada do crescimento econômico em curso. Mas apenas isso talvez não seja suficiente para transformar um déficit primário de 2,2% do PIB em um superávit primário no espaço de apenas três anos. Há no horizonte, portanto, a perspectiva de que o próximo presidente seja obrigado a propor uma elevação de impostos.

Na sexta-feira passada, em entrevista à Agência Senado, o líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que a revisão das metas deste e do próximo ano foi feita porque o governo decidiu não aumentar impostos. Essa alternativa, provavelmente, o futuro presidente não terá.

A missão do presidente eleito em 2018 será, portanto, árdua. Ele terá que convencer os seus eleitores de que colocar em ordem as contas da União é condição indispensável para a manutenção do crescimento econômico e para a criação de empregos. Não será fácil, principalmente porque, além do provável aumento da carga tributária, o ajuste fiscal necessitará de uma série de reformas, que mexerão com muitos interesses. O ideal seria que os candidatos à Presidência debatessem a situação calamitosa das contas da União na campanha eleitoral.

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