domingo, 6 de agosto de 2017

Estratégia do engano | Míriam Leitão

- O Globo

Oposição tenta reescrever história econômica. O governo Temer é ruim. Tem alguns méritos, que são superados pelos seus defeitos. Dizer isso não abona o péssimo governo que o antecedeu. Na semana em que Temer errou muito e manobrou verbas, alguns petistas tentaram reescrever a história como se todo o mal do qual padecemos tivesse nascido no dia da posse do atual presidente. É preciso ver o erro inteiro e não apenas a parte que convém politicamente.

No Congresso, a base do governo anterior, durante o debate sobre a denúncia contra Temer, se escandalizava com a liberação de emendas parlamentares em troca de apoio na votação que definiria o destino do presidente. E é mesmo escandaloso. As emendas são impositivas, teriam que ser liberadas e agraciaram também alguns deputados da oposição, mas o uso político do calendário de liberação foi uma manobra visível a olho nu. Pior ainda foi o perdão de parte das dívidas previdenciárias dos ruralistas. Renúncia fiscal é gasto público. O que houve é absurdo e contraditório.

Contudo, os mesmos parlamentares, agora na oposição, não se escandalizaram quando houve uma farra de renúncia fiscal no governo Dilma que até hoje desequilibra as contas públicas brasileiras porque os benefícios foram concedidos por anos. Esses mesmos parlamentares acham que foi normal usar os bancos estatais através das pedaladas fiscais para mascarar despesas em ano eleitoral. O buraco no qual caímos foi cavado nas administrações petistas, no segundo governo Lula e no período Dilma.

A escalada do desemprego começou ao fim de 2014. O país entrou em déficit primário em 2015 por decisões tomadas nos anos anteriores. Estava claro durante a campanha eleitoral de 2014 que o país estava entrando em recessão como resultado dos erros grosseiros da política econômica comandada por Guido Mantega, da invencionice da “Nova Matriz” assinada por Mantega e Nelson Barbosa. E apesar dos sinais avançados de que a conta chegara, Dilma repetia o discurso preparado pelos seus marqueteiros, hoje réus condenados por corrupção, João Santana e Mônica Moura, de que não havia crise.

A estratégia da oposição agora é usar a alta rejeição ao governo Temer e fazer mais um trabalho de manipulação para que o país esqueça o que houve no passado recente. Um artigo na semana passada assinado pelo ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho é o exemplo desse esforço orwelliano de mudar a história recente. Ele passeia pelos pontos da crise, a dívida pública crescente, a recessão, como se fossem estrangeiras a ele. Parte do crescimento da dívida foi provocado pelas transferências extravagantes de meio trilhão de reais para o banco no período em que ele o dirigia.

A concessão feita pelo governo Temer aos ruralistas, em dinheiro, pode chegar a R$ 6 bilhões. Muito mais penosas, e difíceis de quantificar, são as concessões que estão sendo feitas aos ruralistas na área ambiental. O retrocesso ficou claro desde a primeira Medida Provisória de desafetação de Jamanxin. O governo anterior também não foi bom na área ambiental e as várias reduções de unidades de conservação foram um prenúncio do que aconteceu na floresta próxima da BR-163. Os erros passados devem ser registrados para que não se fique com a impressão de que era bom e ficou ruim. Quando o assunto é meio ambiente, pode-se dizer que já era ruim e piorou. Mas, claro, a atenção maior tem que ser ao que está acontecendo agora porque o perigo é de que ocorram novas agressões.

Há uma tendência, politicamente motivada, de fomentar uma indignação seletiva. Isso ficou explícito no plenário da Câmara e faz parte do discurso que tenta aproveitar a intensidade da crise e a baixa popularidade do governo para construir uma versão de que os problemas do país surgiram agora. O risco desse raciocínio é que ele pretende pavimentar o caminho do mesmo grupo ao poder, sem que tenha sido precedido por qualquer reconhecimento dos erros cometidos. Se tiverem sucesso no projeto, repetirão os mesmos equívocos, já que estão terceirizando todas as consequências desastrosas dos próprios atos. Partidos e grupos políticos, como as pessoas, avançam quando reconhecem seus erros e aprendem com eles. O que está em curso é mais uma tentativa de mentir e enganar.

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