terça-feira, 15 de agosto de 2017

Getúlio Vargas, o estadista controvertido | Almir Pazzianotto Pinto

- Diário do Poder

“Até hoje a história não exarou sentença definitiva a respeito de uma figura muito controvertida”. A frase de Teixeira Soares sobre Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, aplica-se a Getúlio Vargas, cujo suicídio completará 63 anos no dia 24 deste mês de agosto.

É vasta e inconclusa a biografia de Getúlio. O Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro – Pós 1930, editado pela Fundação Getúlio Vargas (DHBB), dedica-lhe 73 folhas, a mais longa entre as demais. A era Vargas, alvo de seguidas tentativas de demolição, permanece viva no Código Penal de 1940, Código de Processo Penal de 1941, Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, Petrobrás e BNDS, mas, sobretudo, na Justiça do Trabalho e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, concebidas para serem instrumentos de equilíbrio nas relações entre patrões e empregados.

A Justiça do Trabalho antecedeu a CLT. Na data de 1º de maio de 1939, Getúlio Vargas lançou este breve registro entre as anotações do Diário: “Grande parada em frente ao prédio do ministério, discursos, assinatura dos decretos criando a Justiça do Trabalho, os restaurants populares e as escolas profissionais nos próprios estabelecimentos industriais. Regressei já à tardinha ao Guanabara e não mais saí”.

Quem se der à tarefa de investigar a obra de Getúlio entenderá porque é visto como a maior e mais enigmática figura do cenário político latino-americano do século XX. Deposto em 29/10/1945 pelo ex-ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, Vargas não titubeou em apoiá-lo para presidir a República nas eleições convocadas para o dia 2 de dezembro do mesmo ano, após se convencer de que a vitória do brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da União Democrática Nacional (UDN), traria perigo para a CLT. Sem ausentar-se de São Borja, onde fora confinado pelos generais golpistas, “foi o candidato que obteve os resultados mais espetaculares nas eleições para a Constituinte, com um total de quase 40% dos sufrágios obtidos por Dutra para a presidência da República. Foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul (na legenda do PSD) e São Paulo (na legenda do PTB). No primeiro foi eleito também para a Câmara dos Deputados, mas pelo PTB. Em São Paulo e no Distrito Federal encabeçou a lista dos eleitos do PTB para a Câmara e foi o mais votado entre todos os candidatos. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais ficou em segundo lugar na eleição para a Câmara. E, sempre pelo PTB, foi eleito ainda para a mesma casa do Congresso na Bahia e no Paraná” (DHBB, 2001, vol. V, pág. 5944).

O temor pânico que causava aos adversários, inconformados com a popularidade junto às massas, pode ser aferido pelo que escreveu Paulo Duarte na revista Anhembi após a segunda derrota da UDN na campanha de 1950: “No dia 3 de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhão de miseráveis, analfabetos, mendigos famintos e andrajosos, espíritos recalcados e justamente ressentidos, indivíduos tornados pelo abandono, homens boçais, maus e vingativos, que desceram os morros embalados pela cantiga da demagogia berrada de janelas e automóveis, para votar na única esperança que lhes restava: naquele que se proclamava o pai dos pobres, o messias-charlatão”. Antes dele, o jornalista Carlos Lacerda, em 1º de junho de 1950, ao se anunciar a possibilidade da candidatura Vargas, destilava ódio ao publicar na Tribuna da Imprensa, jornal que lhe pertencia: “O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

Ninguém se lembra de Paulo Duarte, e reduzido grupo de admiradores guarda a memória de Carlos Lacerda. Getúlio, porém, permanece no dia a dia dos brasileiros pela Carteira Profissional, Justiça do Trabalho, CLT, Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Banco de Desenvolvimento Econômico.

O relançamento do livro Getúlio Vargas meu pai, escrito pela filha Alzira Vargas do Amaral Peixoto, permite às novas gerações conhecerem mais a respeito do polêmico e enigmático revolucionário, ditador, legislador e presidente.

-----------------
Almir Pazzianotto Pinto, advogado; foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Nenhum comentário: