domingo, 27 de agosto de 2017

O retrato de um desencanto | Cacá Diegues

- O Globo

Foram as alianças heterogêneas e esdrúxulas o principal motor da desmoralização do PT, do fim do mito de que poderia ser um partido diferente dos outros

Vi no jornal as fotos do senador Renan Calheiros e seu filho Renanzinho, governador de Alagoas, cercando o ex-presidente Lula em sua viagem ao Nordeste, em campanha para as eleições de 2018. Os três se abraçavam e riam muito, o riso de felicidade dos vencedores ou daqueles que pretendem vencer e não admitem outro fim da história.

Não sei o que isso significa em termos de aliança eleitoral, se cada um deles precisa mesmo dos outros dois para melhor desempenho nas urnas. Mas é difícil entender por que estão juntos, nos braços uns dos outros, naqueles retratos. É como ver o homem da mala correr com ela cheia pelas ruas noturnas da cidade, enquanto na televisão todos, de todos os partidos (inclusive o da própria mala), saúdam a vitória da luta contra a corrupção, anunciando seu apoio à Lava-Jato e ao Ministério Público.

É como se de dia proclamássemos a justiça e, na calada da noite, seguíssemos cometendo os mesmos crimes de sempre. É isso o que fazem os políticos que se abraçam naquelas fotos com aqueles sorrisos, diante do povo que pretendem enganar. Porque só pode ser por engano.

O projeto político dos Calheiros nunca foi muito diferente desse. Nele, enganar a população faz parte da natureza de sua presença na política. Não tem outro jeito de se levar vantagem em tudo.

A experiência, no passado, desse tipo de aliança heterogênea e esdrúxula já devia ter ensinado alguma coisa a Lula. Foram elas, as alianças heterogêneas e esdrúxulas, o principal motor da desmoralização do Partido dos Trabalhadores, do fim do mito de que o PT poderia ser um partido diferente dos outros pela sua fidelidade a um programa, pelo seu rigor ético, pelo seu real interesse pelo povo brasileiro. A governabilidade, ou a cooptação (podem escolher a palavra e o conceito que prefiram), acabou com aquela ilusão.

Nessa crise econômica, política e ética que vivemos hoje, uma das principais dores de todos foi o desencanto com Lula. Mesmo aqueles que não eram seus eleitores sonhavam com seu papel de símbolo de um país que sempre desejamos que o Brasil fosse. Lula era o cara, a última ilusão de nosso sebastianismo popular transformada, na crise que tudo revela, em simples, clássico e pedestre oportunismo populista.

Todo político tem o direito de escolher o que acha melhor para o estado do mundo à sua volta. Mas Lula, sendo quem era e vindo de onde veio, representou, no passado recente, nossos sonhos de um país que levasse em consideração os brasileiros como ele. Não tinha o direito de nos decepcionar tanto.

Nesse desencanto com Lula, talvez estejamos assistindo ao fim do sonho idealista que cultivamos há tantas décadas, desde Getulio Vargas. Talvez o desencanto com Lula esteja doendo desse jeito porque ele era uma espécie de última esperança. A garantia de que, com ele, o Brasil seria o que sempre sonhamos que fosse. A vida é assim mesmo; mas que dói, dói.
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No dia 24 de agosto passado, a RioFilme celebrou seus 25 anos de existência. Criada por um projeto do então vereador Francisco Milani, a RioFilme foi a principal responsável pela retomada da produção de audiovisual no Brasil, depois da tsunami de Fernando Collor. Embora sendo uma empresa municipal carioca, financiou e distribuiu, nesse período, filmes produzidos e realizados pelo Brasil afora. Sem bairrismo algum.

Ao longo de sua história, a RioFilme foi presidida apenas por gente de cinema, como Mariza Leão, Paulo Sergio Almeida, José Carlos Avellar, Arnaldo Carrilho, José Wilker, Sergio Sá Leitão, Mariana Ribas e Claudia Pedroza. Atualmente, seu presidente é Marco Aurélio Marcondes, um consagrado especialista em distribuição, campo em que tem atuado com sucesso desde a Embrafilme.

A importância da empresa carioca está expressa nos 320 filmes de longa-metragem que apoiou, direta ou indiretamente, desde o seu primeiro lançamento, o documentário “Conterrâneos velhos de guerra”, de Vladimir de Carvalho.

Hoje, a RioFilme procura se reestruturar, visando consolidar a posição do Rio como polo de produção do audiovisual no país. Na comemoração destes 25 anos, “marcamos o início de uma nova fase de nossa história”, disse Marcondes. Segundo ele, a RioFilme e o audiovisual carioca devem ser entendidos “como fundamentais para a economia e o desenvolvimento do setor. A RioFilme é patrimônio dos cariocas e dos brasileiros”. Que a nova e jovem RioFilme seja bem-vinda.
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Já tínhamos terminado de escrever esta coluna, quando nos chegou o rumor de que o presidente Temer teria vetado a MP de renovação da Lei do Audiovisual, aprovada pelo Congresso. Essa lei existe desde 1993, começou a ser discutida no governo Itamar Franco e só sofreu melhoramentos ao longo dos governos FHC, Lula e Dilma, sendo responsável por esse melhor momento da história de nosso cinema. Se ela acabar, o cinema brasileiro acaba com ela.

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* Cacá Diegues é cineasta

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