sábado, 16 de setembro de 2017

Conflito entre riquezas | Miriam Leitão

- O Globo

O decreto de extinção da Renca pode ser o começo de uma corrida que levará à degradação de uma área na Amazônia que está hoje com apenas 0,33% desmatado, acha o procurador Daniel Azeredo. O passo pode ser o começo da exploração de riquezas já detectadas na região, sustenta o geólogo Onildo Marini. As duas visões opostas poderiam até ter conciliação com outra atitude da indústria de mineração.

Convidei Azeredo e Marini para um debate no meu programa da Globonews, e o resultado foi o conflito de visões irreconciliáveis entre preservação e exploração das riquezas minerais. O problema que pende para um dos lados é o desastre de Mariana. Marini acha que ele foi apenas um ponto fora da curva. No Congresso, no entanto, o lobby da indústria de mineração é para uma legislação que flexibilize, em vez de aumentar a fiscalização. O setor rejeita, por exemplo, ter planos de contingência ou fazer seguro contra desastres.

— A reação foi proporcional ao decreto, porque ele é uma afronta a toda política que nós temos tentado construir para a Amazônia. Sob qualquer prisma, ele é uma catástrofe. É um decreto, quando a Constituição exige lei complementar. A reserva começou para defender direitos minerários da União, mas outras áreas de proteção foram sendo criadas e formou-se um mosaico de áreas protegidas — diz o procurador da 4ª Câmara de Brasília, dedicada às questões ambientais.

— A reação foi desproporcional e causada por desconhecimento do que era a Renca. Há indicações de vários minerais por lá, além de ouro e cobre. Foram feitos três furos de sondagem, tem uma mina de ouro cujo decreto de lavra saiu antes de 1984, a mina Carcará, que tem previsão de 10 toneladas de ouro. Tem tantalita, cassiterita, duas reservas e depósitos importantes de fosfato e titânio. Quando fizeram os estudos pela CPRM não havia reserva de proteção nenhuma, que foram criadas depois. Agora o decreto que extinguiu a Renca deixa muito claro que serão mantidas as unidades de conservação. Em algumas unidades, a lei não permite, mas nas florestas nacionais há essa possibilidade — diz Onildo Marini, diretorexecutivo da Agência para o Desenvolvimento da Indústria Mineral.

A propósito, para fazer esse debate, eu convidei o Ministério das Minas e Energia, que não aceitou. Marini disse, ao fim do programa, que precisa ser discutido, antes de tudo, qual lei é maior. Se a que criou a reserva como mineral ou as que vieram depois, criando as unidades de conservação. Esse é exatamente o temor dos ambientalistas ou dos que se preocupam com a proteção da Amazônia. Que se comece dizendo que as unidades serão respeitadas, para em seguida reduzirem a dimensão delas, como já foi feito por este governo na Floresta Nacional de Jamanxin e no governo Dilma, para abrir espaço para grandes hidrelétricas.

É possível conciliar os dois interesses? Daniel Azeredo acha que com o modelo de governança atual na Amazônia é impossível.

— O Ministério Público não desconhece a importância da mineração para o país. É 4% do PIB, gera 200 mil empregos diretos e 800 mil indiretos. Mas o Pará, que em 1940 tinha o 8º PIB per capita nacional, hoje, com o crescimento da mineração, tem o 22º. O Amapá foi líder na exploração de manganês e pouco se vê de recursos para a região. Normalmente, a mineração provoca um fluxo migratório intenso, com aumento da violência, caos na saúde pública e tudo isso leva a mais desmatamento — diz Daniel Azeredo.

— Nós temos exemplos de mineração que conviveram com proteção. Um é Juriti, no Pará, onde a Alcoa minera alumínio. Há lá uma cidade que é um brinco. E tem Carajás, que permitiu a proteção de 7 mil quilômetros quadrados. No nosso entender, a mineração é a solução para a Amazônia porque o desmatamento é pontual e há muita riqueza concentrada. Há, nas proximidades da Renca, já constatada por uma empresa australiana, um depósito de 3,5 milhões de onças de ouro, cerca de 100 toneladas de ouro, em Pedra Branca do Amapari — diz Onildo Marini.

O que torna o tema irreconciliável é que mesmo depois do desastre de Mariana não se vê por parte da indústria nenhum movimento de aumento da proteção e de garantias para a sociedade. Pelo contrário, no Congresso o setor faz lobby por menos proteção e mais direitos para um setor que é por natureza predatório.

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