sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Janot, Lula, Moro e o fundo do poço | Reinaldo Azevedo

O que se tem hoje é a proliferação de atos atrabiliários tendentes a produzir mais desordem

Rodrigo Janot é hoje um "cadáver adiado que procria". Quando eu voltar a publicar neste espaço, no dia 22, ele já será um ex-procurador-geral. Estará, então, ainda que em férias, aboletado em algum órgão público, provavelmente o STJ - que o homem tentou fazer seu refém -, para conservar o foro especial, que seus soldadecos com cérebro de chumbo chamam "privilegiado". Vai que um juiz de primeira instância mais espevitado resolvesse mandar o doutor para a cadeia. Está morto, sim, mas renderá frutos perversos por muito tempo.

Ao se despedir do Conselho Nacional do Ministério Público, no dia 5, o doutor evidenciou ser capaz de ir além das flechas de bambu nas metáforas da autolisonja. Comparou-se a Dom Duarte, um dos reis portugueses (1433-1438) homenageados por Fernando Pessoa no livro "Mensagem". E citou: "Cumpri contra o Destino o meu dever. / Inutilmente? Não, porque o cumpri." Sei lá se colheu a coisa nesses apanhados de frases pós-Google. Uma coisa é certa: ignora o papel desempenhado pelo soberano de tão curto reinado. E não! Janot, definitivamente, não veio de D. Filipa de Lencastre, a "Princesa do Santo Graal", cujo seio "só gênios concebia".

"Cadáver adiado que procria"? É outro verso de "Mensagem", de um poema em homenagem a Dom Sebastião. Emprega-se aqui, sabe o leitor pessoano, o verso com uma ligeira torção de sentido. Mas está na medida para o ainda procurador-geral. O processo de desinstitucionalização a que ele conduziu o país, em parceria com setores do STF, vai nos custar caro por alguns anos. Poderíamos, nesse tempo, cumprindo as regras do estado de direito, ter conduzido reformas essenciais, inclusive contra a roubalheira e impunidade, que estão longe de ser os únicos problemas graves do país. Em vez disso, o que se tem é a proliferação de atos atrabiliários tendentes a produzir ainda mais desordem.

Todos sabemos que virá à luz, saído literalmente de porões, conteúdo de gravações quem vão degradar um pouco mais as instituições de uma país que, apesar de tudo, insiste em crescer... O Brasil que produz é hoje refém de celerados com concepções muito pessoais do que seja justiça, que não encontram respaldo na lei. A esquerda xucra escoiceia a direita. A direita xucra escoiceia a esquerda. Ambas se unem contra os fundamentos da democracia liberal. Ao chegar ao poder, em 2003, o PT percebeu que poderia avançar muito na captura do Estado e da sociedade. Em vez de fortalecer instituições, resolveu aparelhá-las. Janot, meus caros, é o fruto mais nefasto desse monstrengo, que hoje não poupa nem seus criadores. Querem ver?

Lula voltou a Curitiba nesta quarta. Respondeu a perguntas de Sérgio Moro e de Isabel Groba Vieira, "doutora, senhora, douta procuradora, Rainha dos Raios". E, em tempos de "Game of Thrones", também "Mãe de Dragões, Rainha de Mereen e Rainha dos Ândalos e dos Primeiros Homens". O petista a chamou de "querida", mero vício de linguagem, e ela se zangou. Também dava suspiros de impaciência quando o depoente não dava a "resposta certa". Por duas vezes, ela se espantou que o réu não se auto-incriminasse e não exibisse provas negativas a atestar sua inocência. Presente, Moro, como se saído do seio de Dona Filipa de Lencastre, garantia o cala-boca da defesa.

Segundo a denúncia do MPF, oito contratos da Odebrecht com a Petrobras geraram a propina que Lula teria recebido na forma de um terreno e de um apartamento. Doutora Groba, Rainha dos Ventos e dos Mares, não fez uma miserável pergunta sobre os contratos. Dom Moro também não. A denúncia é uma. As razões para condenar serão outras. Como no caso do tríplex. Na grande imprensa, só este "direitista liberal" se ocupou da questão. É que os esquerdistas estão muito ocupados tentando derrubar Temer, com a ajuda de Janot, o cadáver adiado que procria. E os direitistas sabem que Lula já nasceu com a língua presa e depois perdeu um dedo ou por desídia ou por cálculo.

Ainda não é o fundo do poço, vocês verão. Quando chegarmos a ele, será a boa notícia.

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