sábado, 2 de setembro de 2017

Mesa da Bienal relembra histórias de Ferreira Gullar

Poeta tomou pânico de avião após experiência ruim em ponte aérea

Leonardo Cazes | O Globo

“Ferreira Gullar continua sendo o maior poeta vivo do Brasil. Eu me recuso a acreditar que ele morreu”, disse o também poeta, dramaturgo e acadêmico Geraldo Carneiro, na mesa que celebrou a obra do maranhense, morto em dezembro de 2016, na tarde de ontem, no Café Literário da Bienal do Livro do Rio. Carneiro, a atriz Ana Paula Pedro e o poeta, professor e acadêmico Antônio Carlos Secchin lembraram histórias que viveram com Gullar, leram poemas e comentaram sua obra. A mediação foi da jornalista Cristiane Costa.

Carneiro contou que conheceu o poeta por um acaso, quando os dois deram aulas na mesma faculdade, após o maranhense voltar do exílio. Fã de Gullar, ele sentia “uma série de sintomas patológicos de tiete”.

— Ficava acanhadíssimo, tremia todo, as palavras mal me saíam dos lábios — disse Carneiro, que dividiu muitas mesas de eventos com Gullar e destacou que o poeta sempre dizia o que pensava. — Ele tinha uma sinceridade suicida. Era incapaz de trair a própria verdade, mesmo nas situações mais difíceis. Ele manteve a vida toda uma certa intolerância juvenil, mas até a sua intolerância era notavelmente admirável.

A atriz Ana Paula Pedro leu poemas de diferentes fases da carreira de Gullar, como “O anjo”, “Como dois e dois” e “O trabalho das nuvens”, arrancando aplausos da plateia. Já Secchin apresentou a relação do poeta maranhense com o Rio de Janeiro. O acadêmico afirmou que Gullar citou a cidade em 56 poemas. Sua presença foi aumentando aos poucos, estando ausente dos seus primeiros trabalhos. Depois, foi aparecendo aqui e ali a cidade dionisíaca, do verão, do mar, de Copacabana e Ipanema que o acompanhou até a maturidade. O professor lembrou de um poema menos conhecido, “Improviso ordinário sobre a cidade maravilhosa”, em que Gullar passeia pelo Rio de diferentes tempos e regiões, do cais do Valongo até a Penha e a Tijuca.

O momento mais emocionante da mesa foi uma surpresa preparada por Secchin: o vídeo da última leitura gravada de Gullar, de um de seus textos mais famosos, “Traduzir-se” (“Traduzir uma parte/ na outra parte/ — que é uma questão/ de vida e morte —/ será arte?”. A gravação foi feita a pedido de Secchin para um congresso em Salamanca, na Espanha, no ano passado, que iria homenageá-lo. Contudo, o poeta maranhense se recusava a voar de avião nos últimos 15 anos de sua vida.

— Ele tomou um pânico de avião depois de uma ponte aérea mal-sucedida. Quando teve a comemoração dos 40 anos do “Poema sujo”, em Buenos Aires (cidade onde o texto foi escrito) ele foi de automóvel porque achava que era mais seguro. Para Salamanca, eu pedi para ele um manuscrito de um poema — disse Secchin.

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