quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Mr. Trump vai à ONU – Editorial | Folha de S. Paulo

Enfim, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursou na tribuna das Nações Unidas, a instituição uma vez definida por ele, ainda candidato, como um clube no qual pessoas conversavam para passar o tempo.

Agora na condição de chefe de Estado do país que abriga a sede da ONU, o republicano portou-se dentro do protocolo e, de início, até fez parecer aos líderes ouvintes que adotaria tom mais comedido. O desenrolar de sua fala, porém, desfez tal impressão.

Embora de maneira mais polida que a habitual, Trump voltou a expor sua descrença no princípio de que uma entidade possa promover entendimentos multilaterais sem prejuízo da soberania e autodeterminação das nações –em suma, a razão de existir da ONU.

Os termos "soberania" e "soberano", aliás, foram usados 22 vezes pelo presidente em seu discurso de 42 minutos. Houve ocasião até para relembrar o eficiente slogan da campanha eleitoral, ao afirmar que sempre colocará a "América em primeiro lugar".

"Assim como vocês, líderes de seus países, devem sempre colocar suas nações à frente."

Com esse método, seria reduzida a possibilidade de a comunidade internacional encontrar soluções em cenários de múltiplos interesses, dado que todos deveriam cuidar antes de si próprios e, se possível, não ceder em nada.

Exemplo desse raciocínio foi a ameaça de Trump de "destruir totalmente" a Coreia do Norte, caso a diplomacia fracasse em conter o programa nuclear da ditadura instalada em Pyongyang.

O líder americano disse estar pronto para tanto, mas esperar que não seja necessário. "É para isto que servem as Nações Unidas. Vamos ver como vão fazer." O tom implícito de cobrança, quase de ultimato, demonstra a pouca confiança de Trump na instituição como mediadora de conflitos.

Semelhante visão se revela na crítica feita ao pacto com o Irã, costurado por Barack Obama em 2015 e que suspendeu as ambições atômicas de Teerã em troca do fim das sanções internacionais.

Nas palavras do republicano, trata-se de "um dos piores acordos em que os EUA já entraram". Oportuno lembrar que a negociação envolveu outras cinco potências e teve o aval do Conselho de Segurança da ONU.

Quase ao fim do discurso, Trump lançou o que lhe parece a atual "verdadeira questão" à ONU. "Ainda somos patriotas? Amamos nossas nações o bastante para proteger sua soberania?"

A argumentação traz uma lógica perigosa. Se os EUA entendem que devem invocar o amor à pátria ao lidar com problemas transnacionais, correm o risco de legitimar a mesma retórica da qual se valem os regimes autoritários para lançar suas ameaças ao mundo.

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