quinta-feira, 28 de setembro de 2017

No último lugar | Merval Pereira

- O Globo

O que está em jogo é a classe política como um todo. É uma triste coincidência, e ao mesmo tempo uma explicação, que no mesmo dia em que o Brasil ficou em último lugar entre 137 países na confiança do público nos políticos, esses mesmos políticos se vejam às voltas com acusações de corrupção de todos os tipos, tendo chegado ao Palácio do Planalto formalmente a segunda denúncia contra o próprio presidente da República e seus principais assessores.

Também ontem, o Senado estava em polvorosa com a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, que afastou novamente o senador Aécio Neves de suas funções e proibiu-o de sair à noite. O PT, inimigo figadal do PSDB, já anunciou que votará a favor do senador tucano se o Senado se pronunciar sobre a decisão do Supremo. E soltou uma nota que, a pretexto de preservar a Constituição, critica duramente Aécio mas defende que ele não seja afastado do cargo.

Da primeira vez em que o senador Aécio Neves foi punido com o afastamento de seu mandato pelo relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, o Senado aquietou-se diante das imagens de malas cheias de dinheiro sendo distribuídas, e a voz do senador foi ouvida por todo o país num diálogo nada civilizado com o empresário Joesley Batista.

O choque das imagens e dos diálogos calou o Senado. Mas hoje todos parecem dispostos a se defender, defendendo mesmo que seja um adversário político. A discussão técnica sobre a diferença entre recolhimento domiciliar e prisão é o de menos a esta altura, pois o que está em jogo não é mais uma tecnicalidade para evitar punições dos que têm foro privilegiado, mas sim a classe política como um todo.

Mesmo na discussão técnica, a decisão da primeira turma do Supremo tem respaldo do Código de Processo Penal, que no seu artigo 319 classifica como “medidas cautelares diversas da prisão” o recolhimento domiciliar noturno e em feriados, e o afastamento de função pública quando o acusado pode fazer uso dela para prejudicar as investigações. Não houve nenhuma invenção jurídica no caso, mas a aplicação rigorosa da lei.

O que tem sido revelado nesses mais de três anos de investigação engloba todos os partidos políticos, dos mais importantes aos nanicos, e não há ninguém preocupado em acertar regras políticas de transição que deem uma pequena esperança de solução para o cidadão.

No momento, os políticos estão preocupados em armar uma reforma política que evite atingir seus interesses maiores, e todos se acertam entre si para, unidos, enfrentarem o inimigo comum, que é a Justiça.

O resultado da pesquisa do Fórum Econômico Mundial de Davos faz parte do Índice de Competitividade Global, justamente porque o combate à corrupção e a segurança jurídica quanto às decisões das autoridades políticas são itens fundamentais para medir a capacidade de competição dos países no mercado internacional.

O que as investigações da Lava-Jato estão revelando é que leis são literalmente compradas dentro do Congresso, e vantagens fiscais são negociadas em medidas provisórias que valem milhões de reais, e até de dólares. A questão é tão importante para os negócios que um dos convidados do Fórum de Davos em janeiro foi o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que defendeu a tese de que o combate à corrupção no Brasil vai ajudar a fortalecer a economia.

O contraponto desses movimentos corporativistas que voltam a tentar conter o ímpeto das investigações é a força-tarefa de Curitiba, reconhecida internacionalmente por seu trabalho. Hoje, os procuradores, representados por Deltan Dallagnol, estão no Canadá, pois seu trabalho está entre os três finalistas do prestigioso Allard Prize, que será entregue na Universidade da Colúmbia Britânica.

Há um forte trabalho de grupos de ativistas, brasileiros e internacionais, contra a entrega do prêmio aos procuradores de Curitiba, e os organizadores do prêmio estão impressionados com o movimento. Afirmam que os selecionados passam por comitês avaliadores, e que o teor das mensagens, boa parte em termos agressivos, está preocupando pela radicalização política.

Anteriormente, no ano passado, a força-tarefa da Lava-Jato já havia sido premiada, entre outros, pela Transparência Internacional, que a classificou como exemplo de investigação contra a corrupção estatal no Brasil.

Os últimos dias têm sido pródigos em revelar mais detalhes sobre a corrupção generalizada, e até mesmo recibos de aluguel apresentados à Justiça são suspeitos de manipulação. A carta de Antonio Palocci, ex-homem forte de Lula e Dilma, desligando-se do PT e acusando Lula de ter sucumbido ao que há de pior na política, é o retrato fiel desses tempos.

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